VIOLÊNCIA – LIMITES OU VALORES ?


O convite que me fez o educador Arnaldo Mendonça, irmão companheiro do Conselho Estadual de Educação, para coordenar a palestra que a pesquisadora Luciene Togneta, da Universidade de Campinas, proferiu no VII Congresso Internacional de Tecnologia na Educação, na quinta-feira passada, ressultou em duplo contentamento. Pela oportunidade de testemunhar o nível organizacional do Congresso por ele arquitetado e também pela oportunidade do tema desenvolvido, oportuníssimo na atual encruzilhada brasileira: Violência – Falta de Limites ou de Valores?
A exposição feita pela professora Togneta me satisfez plenamente. Disse-lhe pessoalmente, ao término da sua explanação, que ela tinha sabido conjugar com maestria meiguice expositiva e competência técnica, um binômio meio rarefeito nos atuais meios educacionais brasileiros de ensino. Que parecem estar vitimados pelos sintomas apontados pelo italiano Antônio Gramsci, em suas análises argutas, quando bem definia que “a crise consiste em que morre o velho, sem que possa nascer o novo, e neste intervalo ocorrem os mais diversos fenômenos mórbidos”. Com todos os vitimismos, os dolorismos, lamentismos e os coitadismos que tanto enodoam a imagem de uma docência profissional que merece ser melhor capacitada e salarialmente mais respeitada pelas autoridades educacionais brasileiras. Que urgem agir com mais efetividade sobre as manifestações de violência que estão atemorizando profesores, alunos e funcionários dos estabelecimentos de ensino de todo o país.
Parodiando um teólogo-pesquisador, pode-se afirmar, com muito escassa probabilidade de engano, que “a rigor, dever-se-ia dizer que a escola está sempre num estado de crise e que sua maior insuficiência é o fato de ela só estar consciente disso ocasionalmente”. Quer pelas inteligências desbolorentas de conscientes profissionais da educação, quer pelas lideranças politizadas que ressaltam a urgência de uma consistente reestruturação das capacitações dos docentes para os dois primeiros graus de ensino. Onde obsoletos mapas, que ainda teimam em não sair de cena, deveriam ceder lugar às bússolas que favorecem estratégias binoculizadoras capazes de ampliar as construções pedagógicas cidadãs na formação de crianças e adolescentes.
Durante a fala da pesquisadora Togneta, imaginei uma hipótese que poderia ser desenvolvida por analistas educacionais. A de que a violência é uma integração degenerativa entre amor, poder e justiça. E me lembrei de uma reflexão recentemente publicada por um amigo teólogo, o Carlos Calvani, na Revista Eletrônica Correlatio n° 15, junho de 2009, onde ele analisa as imbricações existentes entre amor, poder e justiça. Segundo ele, amor sem Poder é ineficaz, posto que carece de viabilidade prática para atingir seus objetivos e perde-se no vácuo do idealismo romântico. Poder sem amor leva ao despotismo e à tirania resultantes da auto glorificação. Amor sem justiça é mero sentimentalismo cego às exigências da vida. Justiça sem amor é contraproducente, pois tende a agir destrutivamente. Poder sem justiça conduz à opressão, desconhecendo suas implicações sociais. E Justiça sem poder é inoperante, só resultando em desespero, melancolia, frustração e mais violência.
Acredito que muitos milhares de docentes, norte a sul, leste a oeste, ainda não assimilaram as últimas seis grandes estupefações do ser humano: 1. A cosmológica, quando Nicolau Copérnico (1473-1543) aniquilou a cosmovisão geocêntrica, substituindo-a pela heliocêntrica, deslocando o homem do centro para a periferia; 2. A biológica, em decorrência da descoberta de Charles Darwin (1809-1882): as espécies têm sua origem num longo processo evolutivo, deixando o homem de ser um ato criador de Deus, embora o Universo inteiro seja; 3. A psicanalítica, mostrando que o eu não é sequer senhor da sua própria casa, pois age através de instintos e desejos que escapam ao seu controle; 4. A genética, posto que a decifração do genoma humano reduz sua existência à trivialidade, mostrando o material de construção das pessoas; 5. A religiosa, sem vinculações denominacionais, ressaltando o distanciamento crescente entre salvação e igreja; e 6. A internética, gutemberguiana por derradeiro, a demonstrar a instantaneidade comunicacional planetária dos fenômenos sociais.
Associados às estupefações acima, a grande maioria dos docentes brasileiros não combate as posturas que muito comprometem a caminhada educacional de cada um, favorecendo a ampliação negativa das atividades magisteriais, principalmente nas duas primeiras áreas de ensino. São elas: 1. Educação voltada para o passado, enfatizando a subserviência e a memorização; 2. Práticas educacionais que admitem apenas uma única resposta, cultivando-se o medo do erro e do fracasso; 3. Valorização da incompetência, da ignorância e da incapacidade analítica, desprezados os necessários incentivos aos talentos de cada um; 4. Menosprezo pelo auto-conhecimento; 5. Desenvolvimento de habilidades limitadoras 6. Obediência, passividade, dependência e conformismo; 7. Abandono da imaginação e da fantasia; 8. Descaso pelo cultivo de uma visão otimista dos futuros, sem hipocrisias nem messianismos; 9. Conservadorismo passivo, quase reacionarismo.
Confesso que saí feliz do Centro de Convenções de Pernambuco, após ouvir a fala da professora Luciene Togneta, da Universidade de Campinas. Na despedida, ela ressaltou o seu lema existencial, um provérbio chinês que muito me fará refletir d’ora por diante: “Podemos escolher o que semear, mas somos obrigados a colher aquilo que plantamos”.
Valeu a sua palestra, professora! Um abração no Rubem Alves, seu colega de UNICAMP!