REFLEXÃO SEMANAL:

UM TEÓLOGO MUITO PORRETA

No próximo 12 de novembro celebrar-se-á o primeiro aniversário de eternização do teólogo espanhol José Maria Castillo, um dos mais corajosos das últimas décadas, por quem eu tenho uma grande admiração, desde quando ele foi insensatamente punido pelo cardeal Joseph Ratzinger, futuro papa Bento XVI, para mim um pontífice nada contemporâneo, embora genialmente erudito.

Considerado um dos mais notáveis, José Maria Castillo, é autor de uma impactante obra publicada e um percurso existencial de muita valia. Nascido em 16 de agosto de 1929, numa aldeia em Granada, Espanha, foi jesuíta por mais de 50 anos, com formação em teologia dogmática pela Universidade Gregoriana, de Roma. E lecionou em várias universidades, nomeadamente na Faculdade de Teologia de Granada, da Universidade Loyola.

Em 1988, a Congregação para a Doutrina da Fé, tendo como prefeito o cardeal Ratzinger, futuro Papa Bento XVI, proibiu-o de continuar a lecionar, ainda que sem nunca o ter acusado formalmente, nem dado oportunidade de ele ser ouvido para se defender.

Diante desse tal procedimento vaticano, Castillo decidiu assumir apenas a sua condição de batizado, deixando de ser presbítero e abandonando a Companhia de Jesus.

Um dos motivos mais relevantes que o levaram a deixar a vida sacerdotal foi a rejeição do seu livro Espiritualidade para os insatisfeitos, por parte de uma editora dos jesuítas e “as desqualificações que recebeu de várias instituições da Igreja”.

Tal procedimento, entretanto, não o impediu de sempre proclamar a sua gratidão para com os jesuítas. “Tudo o que sou e sei devo-o aos jesuítas”, observou ele numa entrevista que deu ao jornalista António Marujo (Público, 3 de janeiro de 2012), por ocasião de uma conferência proferida no colóquio Igreja em Diálogo, no Seminário da Boa Nova, em Valadares. “O que acontece é que a Companhia de Jesus é uma instituição dentro de outra instituição maior que é a Igreja Católica. É daí que vêm as dificuldades, esclareceu Castillo.

De qualquer modo, deixar de lecionar e ver parte da sua obra travada ou proibida lançou-o num período depressivo prolongado. “Para mim foi um golpe muito duro: tive uma depressão muito forte”, confessou ele a amigos próximos

Tem-se atualmente a impressão que, na época de Bento XVI, o Vaticano temia por uma pós-modernidade que potencializaria uma Teologia Criativa, mais socialmente comprometida com os despossuídos, menos capitalista, mais social-democrata, mais efetivamente executora das mensagens deixadas pelo Homão da Galileia, solidárias para com os desassistidos de todos os tempos, etnias e gêneros.

Um amigo seu, Xavier Pikaza, também teólogo, assim testemunha sobre Castillo:

Antes e depois de renunciar ao ‘estatuto hierárquico’, J. M. Castillo sublinhou o sentido comunitário da Igreja, colaborando no surgimento e liderança de comunidades populares, de tipo participativo e democrático. Insistiu no caráter experiencial e fraterno da vida cristã, sublinhou a importância de temas como a liberdade e a felicidade, a busca interior e o sentimento gratuito e responsável da pertença eclesial, destacando sempre a exigência de justiça”.

Posteriormente, o próprio Papa Francisco lhe enviou uma carta de próprio punha, onde dizia: “Perdi-o anos 80, e agora volto a encontrá-lo”. Um testemunho de muita alegria fraterna por quem injustamente foi punido por saber pensar com independência.

Castillo foi um teólogo que se eternizou em paz com o Altíssimo, sempre confiante na permanência do autêntico cristianismo num mundo repleto de fundamentalismos autoritários.

Decididamente, José Maria Castillo não se postava como manada, sempre sabendo pensar muito além do ainda sequer cogitado. Vale a pena lê-lo.


Fernando Antônio Gonçalves é pesquisador social