VIGÁRIOS E VIGARISTAS


Levantamentos criteriosos indicam os meses de férias – janeiro, fevereiro e julho – como os de maior incidência da prática de “sabedorias” as mais diferenciadas, de desmoralizarem a do Cavalo de Tróia, que destruiu os abiscoitados daquela cidade. Nas áreas de maior densidade turística, para não falar aqui e agora das mentes ingênuas que buscam encontrar pela Internet os(as) parceiros(as) dos seus sonhos, encontramos fatos de montão .

Outro dia, numa praça situada no centro da capital paulistana, um jovem bem aparentado apregoava as maravilhas de um elixir elaborado sob fórmula chinesa ultra-secreta, referendada pela maioria dos bispos europeus, posto que policopiada desde os primórdios do cristianismo, as primeiras versões advindas de uma das viagens de Paulo de Tarso. O bendito elixir era demais: curava hemorróidas e escoriações penianas, estimulava ereções de deixar Príapo com água na boca, além de mandar para os quintos dos infernos tudo que era mau-olhado, olhar depreciativo e olho grande, enrijecendo ainda seios desmotivados e bundas sem mais estéticos compromissos.

Mês passado fui procurado por uma parente de terceiro/quarto grau, testemunha ocular, no Rio de Janeiro, do buruçu que deu o tiro que matou Getúlio Vargas. Apaixonadíssima interneticamente por um octagenário da Austrália, um dos países mais secos do mundo, ela queria uma orientação sobre como enfrentar a dupla secura, individual e geográfica. Recomendei-lhe uma estadia preliminar em Bondi Beach, em Sydney, uma praia muito frequentada por milhões de turistas, que a procuram para praticar o surfe, embora ela fosse utilizar uma prancha diferenciada.

Terminado o aconselhamento, presenteei a cocótica octogenária com o livro Os Contos e os Vigários – Uma História da Trapaça no Brasil, que mal começara a devorar, do pesquisador paulista José Augusto Dias Júnior, PhD em História Cultural pela Unicamp. Um lançamento setembro último da editora Leya, que procura responder uma indagação que se ouve todos os dias nos mais diferenciados ambientes: Por que as pessoas caem nos papos dos vigaristas?

Desde quando Jacó ludibriou Labão (Gn 30,31-34), as vigarices se multiplicaram. Parodiando o saudoso escritor Nilo Pereira, “se listarmos as vigarices do mundo, ainda sobram seis”. Segundo Dias Júnior, autor do livro que bem analisa os denominados por ele de “peritos do engano”, “um golpe aplicado com êxito significa a vitória de uma fantasia preparada por especialistas”. Quem não se lembra de Maurício de Nassau, manda-chuva holandês em Pernambuco, e o boi que ele faria voar?

Logo na apresentação do seu livro, Dias Júnior se reporta a julho de 1969, quando o homem pousou na Lua. Naquela ocasião, em Belo Horizonte, terra natal do meu sogro, um sergipano muito do “isperto”, sobraçando um monte de mapas estrambóticos da superfície lunar, passou a vender terrenos do satélite natural da Terra, chegando a fechar contrato com dois fazendeiros, antes do empreendimento ser interrompido por iniciativa policial.

Quem não se lembra de outro mineiro, o Marcos Valério, que se aproveitou daquela vontade atávica do brasileiro de querer levar vantagem em tudo, vontade que faz “legitimar” os mais estapafúrdios procedimentos. Como o daquele parlamentar federal que era um dos anões safados do Orçamento, que declarou ter uma sorte da cachorra, ao ganhar centenas de vezes na Loteria Esportiva.

No livro, com todas as letras, se explicita o golpe recebido por Paulo Maluf de um falso religioso, que se intitulava bispo de São João do Meriti, que declarou, alto e bom som, trajado pomposamente, antes de ser desmacarado, que “Deus é malufista e Jesus também”. Não foi condenado em função do ditado universal que formou jurisprudência: “ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão”.

Prazerosas leituras de férias. Pedagogicamente corretas. Para as vítimas não dizerem depois que “nunca na história deste país”…

Jornal do Commercio, 19.01.2011
Fernando Antônio Gonçalves