VERDADES INDISPENSÁVEIS
Com o desenvolvimento ultra veloz das comunicações internéticas, os horizontes de pesquisas se ampliaram consideravelmente, proporcionando novas descobertas e desmontes de algumas farsas históricas, inclusive brasileiras. Outro dia, por exemplo, li Crash: uma breve história da economia – da Gércia antiga ao século XXI, de Alexandre Versignassi, jornalista e editor das revistas Superinteressante e Aventuras na História, prêmio Esso de 2010. No livro editado pela Leya, o autor mostra “como o dinheiro, a falta de dinheiro, a insanidade e a safadeza construíram o mundo mais próspero de todos os tempos”, oferecendo seu texto a Luciana Farnesi com uma dedicatória para lá de muito correta: “por ter me mostrado que a economia pode ser tão divertida quanto o futebol, só que bem mais violenta”, que ratifica o que declara Paul Krugman, economista de ainda muito bom senso: “o que pôs um fim na Grande Depressão foi um programa massivo de obras públicas chamado Segunda Guerra Mundial.”. E Versignassi analisa algumas mentiras perpetradas pelos sabichões para iludir os mais desatentos, num mundo onde se imprime até ações fictícias para colocação num mercado de ações, iludindo milhões, como fez um senhor de 70 anos chamado Bernard Madoof, que conseguiu iludir até o Steven Spielberg e um bocado de outros bilionários ansiosos para ganhar mais um pouco.
Mas o que mais me impressionou nos últimos tempos foi um texto de Guilhobel Aurélio Camargo, enviado pela pesquisadora Nely Carvalho, da UFPE, sobre a farsa do martírio de Tiradentes, que foi visto, bonito e fagueiro em Paris, tempos depois da sua “execução e esquartejamento”, em seu lugar sendo martirizado um ladrão chamado Isidro Gouveia.
O Guilhobel revela: “Com a Proclamação da República, precisava ser criada uma nova identidade nacional. Pensou-se em eternizar Marechal Deodoro, mas o escolhido foi Tiradentes. Ele era de Minas Gerais, estado que tinha na época a maior força republicana e era um polo comercial muito forte. Jogaram ao povo uma imagem de Tiradentes parecida com a de Cristo e era o que bastava: um ‘Cristo da Multidão’. Transformaram-no em herói nacional cuja figura e história ‘construída’ agradava tanto à elite quanto ao povo.”
Tiradentes foi iniciado na maçonaria pelo poeta e juiz Cruz e Silva, amigo de vários inconfidentes e teria salvo a vida de Cruz e Silva, não se sabe em que circunstâncias. E a descoberta da farsa aconteceu da maneira seguinte, segundo o próprio Aurélio Camargo: “Há 41 anos (1969), o historiador carioca Marcos Correa estava em Lisboa quando viu fotocópias de uma lista de presença da galeria da Assembléia Nacional francesa de 1793. Correa pesquisava sobre José Bonifácio de Andrada e Silva e acabou encontrando a assinatura que era o objeto de suas pesquisas. Próximo à assinatura de José Bonifácio, também aparecia a de um certo Antônio Xavier da Silva. Correa era funcionário do Banco do Brasil, se formara em grafotécnica e, por um acaso do destino, havia estudado muito a assinatura de Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes. Concluiu que as semelhanças eram impressionantes.”
Dizem que os fatos assim se desenrolaram em 1792: “durante todo o processo, Tiradentes admitiu voluntariamente ser o líder do movimento, porque tinha a promessa que livrariam a sua cabeça na hipótese de uma condenação por pena de morte. Em 21 de abril de 1792, com ajuda de companheiros maçons, foi trocado por um ladrão, o carpinteiro Isidro Gouveia. O ladrão havia sido condenado à morte em 1790 e assumiu a identidade de Tiradentes, em troca de ajuda financeira à sua família. Gouveia foi conduzido ao cadafalso e testemunhas que presenciaram a sua morte se diziam surpresas porque ele aparentava ter bem menos que seus 45 anos. Num livro de 1811, de autoria de Hipólito da Costa (“Narrativa da Perseguição”) é documentada a diferença física de Tiradentes com o que foi executado em 21 de abril de 1792. O escritor Martim Francisco Ribeiro de Andrada III escreveu no livro “Contribuindo”, de 1921: “Ninguém, por ocasião do suplício, lhe viu o rosto, e até hoje se discute se ele era feio ou bonito…”. O corpo do ladrão Gouveia foi esquartejado e os pedaços espalhados pela estrada até Vila Rica (MG), cidade onde o movimento se desenvolveu. A cabeça não foi encontrada, uma vez que sumiram com ela para não ser descoberta a farsa. Os demais inconfidentes foram condenados ao exílio ou absolvidos.”
Final da farsa: Tiradentes teria embarcado incógnito, com a ajuda dos irmãos maçons, na nau Golfinho, em agosto de 1792, com destino a Lisboa. Junto com Tiradentes seguiram sua namorada, Perpétua Mineira e os filhos do ladrão morto Isidro Gouveia. Em carta que foi encontrada na Torre do Tombo, em Lisboa, existe a narração do desembargador Simão Sardinha, na qual diz ter se encontrado, na Rua do Ouro, em dezembro do ano de 1792, com alguém muito parecido com Tiradentes, a quem conhecera no Brasil, e que ao reconhecê-lo saiu correndo. Há relatos que, 14 anos depois, em 1806, Tiradentes teria voltado ao Brasil quando abriu uma botica na casa da namorada Perpétua Mineira, na rua dos Latoeiros (hoje Gonçalves Dias) e que morreu em 1818.
Que uma Comissão Nacional da Verdade Histórica elucide o que realmente aconteceu com Tiradentes, como se espera também que a Comissão da Verdade Pernambucana identifique os autores do assassinato do Pe. Antônio Henrique Pereira Neto, quem atentou contra o líder universitário Cândido Pinto de Melo e quem deu fim ao corpo do líder estudantil Fernando Santa Cruz. Que os responsáveis ainda vivos paguem exemplarmente pelo crimes cometidos.
(Publicada em 10.12.2012, no Jornal da Besta Fubana, Recife, Pernambuco)
Fernando Antônio Gonçalves