VERDADE E RECONCILIAÇÃO
No atual conflito israelo-palestino, onde o binômio cultura x resistência, além de não dever ser relevado, parece induzir violências indiscriminadas cada vez mais intensas, urge procedimentos mais eficazes que apenas forças militares de manutenção da paz na região.
O mundo não-belicista exige, em nome de milhares de vítimas inocentes, que uma Comissão de Verdade e Reconciliação, de reconhecida força deliberativa, seja constituída com a urgência que se faz imprescindível, como a que ocorreu na África do Sul, em anos passados não muito distanciados.
Se a destruição injustificável do palestino Centro Khalil Sakakini, em abril de 2003, deve ser classificada como acintoso atentado contra a humanidade, a contabilidade atual da destruição ampliada é por demais ignominiosa. Para se ter uma idéia do prejuízo, o Centro guardava preciosos manuscritos e um sem-número de obras de arte, além de papiros de valor incalculável, de impossível restauração. Certa ocasião, o notável David Ben-Gurion declarou “não haver nenhum caso na História em que um povo simplesmente desista e permita que um outro povo tome conta do seu território”. E o primeiro presidente da Universidade Hebraica, Judah Magnes, ratificava o pensar de Ben-Gurion sob outra vertente: “Vamos tentar pensar em termos inteiramente morais e profundos sobre os árabes. Vamos pensar em termos da presença deles e não de sua ausência”.
A partir de dois versículos do Livro de Provérbios da Bíblia Hebraica recentemente lançada em bem elaborada tradução em língua portuguesa pela editora Sêfer e baseada no Hebraico e à luz do Talmud e das Fontes Judaicas – 1.22 – Por quanto tempo mais manterão os ingênuos sua ingenuidade; os cínicos, sua ironia; e os tolos, sua aversão à sabedoria?; 4.7 – O princípio da sabedoria é buscar sua aquisição e, ao fazê-lo, conseguir também entendimento – a paz no Oriente Médio somente estará efetivada através de ações concretas consubstanciadas através de um conjunto de fatores: intuição, imaginação, criatividade, ética planetária, conhecimento histórico, vontade política e credibilidade. Todo conjunto acatando, por princípio basilar, o poema de Aimé Césaire: “Mas o trabalho do homem está apenas começando / e resta ao homem conquistar toda a violência entrincheirada nos recantos da sua paixão / E nenhuma raça possui o monopólio da beleza, da inteligência, da força, / e há lugar para todos no encontro da vitória”.
O caminho mais rápido para outros conflitos desnecessários no Oriente Médio se encontra lastreado em comportamentos fundamentalistas, do tipo daqueles que pugnam pela erradicação de Israel da face da terra, como se isso fosse possível, retornando aos contornos regionais de antes de 1948. Ou daqueles que ainda pactuam com o pensar de Golda Meir, que afirmava, em 1969, “não existir povo palestino”.
Um mundo não-belicista lamenta as atrocidades cometidas pelos países em conflito no Oriente Médio. E cada vez mais assimila as palavras de um brasileiro de coragem, Cláudio Abramo, já eternizado: “No fundo acho que está tudo errado. Perdemos os caminhos e as bússolas, nessa confusão conceitual em que nos mergulhamos. Sei que de todos os lados há erros, safadezas e injustiças, e até crimes, alguns horríveis. Mas existe uma espécie de solidariedade fraternal, a nível epidérmico, que nos faz sempre voltar os olhos para os mais desprotegidos e os mais desvalidos da terra. Não sei, exatamente, quanto se avançou nesse terreno, mas sei que algo deverá surgir de tudo isto, dessa gigantesca agonia de um mundo que está falido para que renasça um outro, em que as idéias e os conceitos sejam novos e duradouros”.
A indignação contra a crueldade e o terrorismo continua se ampliando, ainda que a uma sofrível velocidade. Acelerada quando a ética for percebida como alicerce para a sobrevivência de todos. Inclusive israelitas e palestinos de todas as facções.