VER, COMPREENDER E AGIR


Na biblioteca de um amigo de longa data, deparei-me, após um sarapatel de perder o fôlego regado a muita cerveja álcool 0%, com um livro por ele muito utilizado na elaboração de seus projetos culturais, na busca dos patrocínios mais diferenciados: Teoria Cultural de A a Z: conceitos-chave para entender o mundo contemporâneo, de Andrew Edgar & Peter Sedgwick (orgs), São Paulo, editora Contexto. Um conjunto de 300 verbetes expostos com clareza e elegância, explicitando significados fundamentais para se compreender melhor a pluralidade do mundo e do pensamento contemporâneos, sem perder o necessário rigor intelectual, embora dotado de muita clareza analítica, didaticamente bem apresentada.

O livro faz um mapeamento teórico dos atuais cenários culturais multidisciplinares, envolvendo política, arte, ética, linguagem, economia, estética, literatura, sociologia, arquitetura, filosofia, psicanálise e antropologia, entre outras áreas, compondo um mosaico que faz da teoria cultural um vasto território, a cada dia mais aberto à diversidade e à abrangência. Um livro que muito auxilia os elaboradores de projetos culturais, num mundo de especializações crescentes e embromações as mais estapafúrdias, as últimas, inúmeras vezes, tidas como revolucionárias, iludindo a boa fé de alguns e a ignorância cultural de uma estupenda maioria, atualmente anestesiada por maquininhas eletrônicas portáteis, úteis quando bem utilizadas, alienantes e existencialmente letais quando manuseadas por dinossáuricas mentes de quase nulos conteúdos cognitivos. Adeptas dos 5 “f” que muito prejudicam quando usadas com irracionalidades demasiadas: fumar, fugir, fingir, fazer-de-conta e fraudar.

Selecionei alguns verbetes que podem retratar a atual realidade brasileira, hoje repleta de embromações travestidas de tecnologias úteis para o Grande Irmão, de George Orwell. Ei-los:

Anomia – que se refere à perda, por parte de um indivíduo ou grupo, de normas para guiar a interação social. Para Durkheim, a coerência com os meios disponíveis para uma realização é pré-condição para a felicidade humana de uma sociedade.
Autoridade – Aquele que é obedecido sem coerção ou ameaça de violência. Um estado é reconhecido como tendo autoridade quando suas regras e leis são aceitáveis para todos os cidadãos racionais, independentemente de quaisquer interesses particulares que possam ter.
Contradição – seu princípio estabelece que dois estados de casos mutuamente exclusivos não podem simultaneamente ser afirmados para serem o caso, uma vez que é impossível alguma coisa existir e ao mesmo tempo não existir. Contas na Suíça, por exemplo.
Meritocracia – sistema onde diferentes ocupações desfrutarão de diferentes recompensas, poder e status, com base nos talentos e qualificações possuídas para o exercício de suas tarefas. O filósofo Rawls defende um sistema educacional ao qual todos tenham acesso para garantir que os talentos de uma pessoa sejam reconhecidos e cultivados independentemente da origem dos seus pais.
Preconceito – atitude agressiva e negativa em relação a um grupo social específico, julgando-o inferior. Preconceitos contra mulheres, homossexuais, cultos afros, regiões, etnias, classes sociais, religiões, partidos políticos, níveis educacionais e ideologias devem ser combatidos com ideias e muito debate, jamais com a utilização de violências e campos de concentração. Com a palavra, a linda companheira do talentoso ator Lázaro Ramos.
Utopia – palavra que significa “lugar nenhum”, originada no livro Utopia (1516), de Thomas Moore, que descreve um Estado ideal e imaginário. Os utópicos procuram fornecer uma visão de mundos futuros possíveis em que os conflitos e as injustiças sejam superados.
Reificação – transformação de algo subjetivo ou humano num objeto inanimado. Na teoria social e cultural, ela se refere ao processo pelo qual a sociedade humana vem a confrontar seus membros como uma força externa, aparentemente natural e aprisionadora. Numa sociedade burocratizada e crescentemente racionalizada, o qualitativo encontra-se perdido, posto que ela está sendo governada sob preocupações puramente quantitativas do burocrata e do gerente. O ESocial trapalhão que o diga.
Teoria queer – Desenvolvida a partir dos anos 1970, procura colocar a questão da sexualidade no centro das preocupações, como categoria-chave para a qual convergem outros fenômenos sociais, políticos, culturais e religiosos. Pode ser entendida como a que explora os processos pelos quais a identidade sexual é, e tem sido constituída nas sociedades contemporâneas e passadas, se apresentando como conquista em contínua negociação e disseminação.
Desconstrução – Termo de Jacques Derrida, o mais importante pensador do movimento filosófico estruturalista. A desconstrução é um estágio do estruturalismo a reconhecer que os objetivos massivamente ambiciosos poderiam apenas ser imaginados com base em uma compreensão redutiva da linguagem, da sociedade e do conhecimento.

O João Silvino da Conceição, meu irmão caminheiro, enviou algumas reflexões, encarecendo analisá-las sob os termos da Teoria Cultura:
“Nunca se deve culpar os políticos de uma Nação pelas imoralidadedes cometidas, quando a cidadania da sua gente ainda se encontra de quatro, em níveis insuficientes de libertação cívica”.
“Se quisermos compreender o que é bondade, urge nos concentrar na forma da bondade e não nos exemplos particulares testemunhados. As pessoas comuns são induzidas ao erro quando apreendem apenas pelos sentidos”.
“Não aceite, em nenhum momento e sob nenhum pretexto mágico, as filosofias e os ensinamentos transmitidos sem uma reflexão questionadora à luz da razão e da lógica.Todos os ensinamentos legitimados devem ser recebidos com empatia, paciência e altruísmo, sempre com genuínas intenções de trabalhar para uma efetiva fraternidade cósmica”.
“Lamentavelmente, mais de 80% das crianças mal alfabetizadas jamais aprenderão realmente a ler, tornando-se presa fácil dos inúmeros mitos e dogmas que afetarão sua razão e sua lógica decisória, favorecendo seu decrescimento como ser humano na fase adulta, tornando-as vítimas fáceis das religiosidades de araque e dos demagogos messiânicos”.
“Nunca se deve cultuar passados para ampliar vaidades e nostalgias. Todos os ontens, positivos e desfavoráveis, devem ser reverenciados como alicerces dos caminhos pessoais e profissionais trilhados e sonhados de um vir-a-ser cada vez mais cidadão, sem ansiedades nem cavilosidades, sem individualismos nem falsas modéstias, sempre atento às mutações evolucionais internas (pessoais) e externas (do resto do mundo)”.
Vamos ampliar a nossa enxergância?

(Publicado em 09.11.2015, no site do Jornal da Besta Fubana – www.luizberto.com/sempreamatutar)
Fernando Antônio Gonçalves