VENENO DA SERPENTE
Diante do surgimento, a partir dos anos 80 do século passado, de estudos específicos sobre a Inquisição e o mito da pureza se sangue, analisando o preconceito e as manifestações anti-semíticas no Brasil, é dever de justiça ressaltar os estudos pioneiros efetivados pela historiadora Anita Novinsky, da Universidade de São Paulo, com seu Cristãos-novos na Bahia, 1972. Uma pesquisa que ensejou outros desdobramentos, identificando exaltações ao criminoso nazista Adolfo Hitler, bem como instingando ódio aos judeus, negros, homossexuais e nordestinos, sob comandos de vozes sectárias de direita e esquerda, idiotizadas politicamente.
Dentre os estudiosos que estão a merecer aplausos memoráveis, destacam-se os trabalhos da historiadora Maria Luiza Tucci Carneiro, também da Universidade de São Paulo, onde leciona e pesquisa sobre fluxos migratórios, racismo e anti-semitismo, em nível de graduação e pós-graduação no Departamento de História e Línguas Orientais. Publicou Preconceito Racial no Brasil Colônia: cristãos novos (Brasiliense, 1982); O Anti-Semitismo na Era Vargas (1930-1945) (Brasiliense, 1988, 2ª edição 1995); O Racismo na História do Brasil: mito e realidade (Ática, 1994); O Olhar Europeu: o negro na iconografia brasileira do Séc. XIX (co-autoria Boris Kossoy, EDUSP, 1994), O Veneno da Serpente – Reflexões sobre o anti-semitismo no Brasil (Perspectiva, 2003), tendo ainda sido organizadora de O Anti-semitismo nas Américas (Edusp/Fapesp, 2007), neste último trazendo texto O Discurso Anti-semita na obra de Gilberto Freyre da professora Sílvia Cortez Silva, da Universidade Federal de Pernambuco e Doutora em História Social pela Universidade de São Paulo com a tese Tempos de Casa Grande (1930-1940).
Recomendaria, em primeiro lugar, a leitura de O Veneno da Serpente, para quem deseja compreender melhor as manifestações das gangues de skinheads que atualmente destilam seus venenos nos quatro cantos do país. E que atraem alienados muito distanciados dos conteúdos democráticos exigidos por uma contemporaneidade que se encontra sedenta de um mundo sem terror e terroristas. Num volume de menos de duzentas páginas, a autora relata a trajetória do anti-semitismo no Brasil, os espectros da intolerância, o mito da conspiração judaica, as metáforas anti-semitas, as pregações católicas anti-semitas, nazismo e camisas verdes (os integralistas de Plínio Salgado) e os tratados fomentadores dos nazistas. Além disso, sob título O Ovo da Serpente, a autora faz uma análise sobre a mentalidade preconceituosa da ditadura militar brasileira (1964-1985), onde “entre novembro de 1969 e outubro de 1976, dez militantes de esquerda de ascendência judaico-brasileira foram mortos sob tortura nos porês da ditadura civil-brasileira”.
No Brasil, uma edição em português do texto apócrifo Os Protocolos dos Sábios de Sião deve ser considerado como uma das principais matrizes do pensamento anti-semita em nosso território. Leitura muito recomendada à época por Gustavo Barroso, um dos líderes antissemitas brasileiros, que traduziu o texto do francês para o português. Um permanente veneno, alíás em edição recente da editora Centauro, 2005.
Atualmente, nos sites neonazistas, o ódio milenar ao judeu sobrevive, patrocinado por noticiários midiáticos que alimentam distorções sobre o que está acontecendo no Oriente Médio, onde o terror é celebrado/condenado através de dosses maciças de anti-semitismo. Ratificando a professora Maria Luiza Tucci Carneiro, o pensar é do geógrafo brasileiro Demétrio Magnoli, Doutor em Geografia Humana pela USP, para quem “a mente, valendo-se da mentira e da distorção dos fatos, ainda é prisioneira da lógica totalitária”.
Algumas questões para uma discussão coletiva: Por que perdemos de vista as grandes questões que vão definir o que o Brasil ainda será no século XXI? Por que hoje, se somos bem mais fortes que nos anos 50, os setores públicos que se dizem socialmente responsáveis só vivem de cortar, vender, desnacionalizar, fatiar, desmontar, desfazer, negar, contingenciar e demonizar os seus funcionários? Por que tanto marketing, slogans, anúncios, demagogias, fingimentos e jogo de poder diante de uma sociedade civil que se tornou aquedada?
Nunca menosprezem, os democratas, o veneno da serpente que se finge de salvadora da pátria, sempre “protetora” dos mais necessitadios.
PS. Na votação do novo salário mínimo na Câmara, sindicalistas vaiaram Vicentinho e aplaudiram Caiado, sem perceberem, por imbecilizante alienação política, de que lado estava o veneno da serpente. Uma manifestação similar à da patuleia desvairada que promoveu a ascensão do nazismo.
(Publicada em 17.02.2011, no Portal da Globo Nordeste, blog BATE & REBATE)
Fernando Antônio Gonçalves