VELHACOS E ABILOLADOS


Bem que um autor de novelas televisivas, hoje sem muita criatividade, poderia alcançar um retumbante sucesso com o título acima. Certamente provocaria um rebu danado nos quatro cantos da sociedade brasileira, atualmente muito carente de mais ceticismos e dúvidas. Posto que “a fé sem questionamento está se infiltrando na cultura global, e que a maneira mais eficaz de combatê-la é o ceticismo engajado, um sentimento de dúvidas de mente aberta e continuamente questionador e investigativo”.

O que tem de sabidões e abestados nos múltiplos rincões da religiosidade mundial não está no Guinness Book porque a contagem não foi efetivada, muito embora as evidências sejam atordoantes, bastando comprová-las assistindo alguns “pregadores” pelos canais televisivos da região. Tem gente até anunciando que estanca diarreia, reverte homossexualidade, faz ressuscitar “distintos” aposentados, transforma mocreia em gente fina, candidatíssima a substituta de Ivete Sangalo, aquela baiana de pernas e o resto todo de estontear coroa desamparado, sem carência da “azulzinha milagreira”.

Tenho um irmão querido, João Pubben, padre holandês de mesmo e muito bom caráter, também muito “estimado” por um ex-arcebispo da Diocese do Recife, cujo nome já de muito tempo deletei da memória. E ele me contou, um dia, que encontrou, numa das praças principais de Amsterdã, onde desponta belíssima catedral, um sujeito que vendia uns frasquinhos contendo líquido branco, anunciado como leite do seio que amamentou Jesus. E eu lhe relatei um fato contado pelo saudoso padre jesuíta Fred Solon: segundo ele, se fossem reunidos os pedacinhos da cruz de Cristo vendidos na praça principal do Vaticano, ela teria seguramente mais de dez quilômetros de altura, tamanha a quantidade de pedacinhos oferecida pelos sabidórios aos abestados turistas de sempre.

A editora Loyola, uma das melhores do país na área de divulgação de textos religiosos, tornou público, no segundo semestre do ano passado, o trabalho Impérios da Crença – Por que precisamos de mais ceticismo e dúvida no século XXI?, de Stuart Sim, professor da Universidade de Sunderland, Reino Unido. Nele, o autor declara, logo na Introdução: “Eu diria que no ceticismo está o caminho rumo a um futuro mais igualitário, no qual a conformidade e a obediência não mais precisam ser vistas como nosso destino. Não somos obrigados a nos submeter passivamente ao poder dos impérios da crença: isso seria a traição de tudo o que há de positivo na sociedade moderna pós-iluminista, como a liberdade diante da superstição e do autoritarismo na vida pública e privada”.

No livro, Stuart Sim enumera as três principais áreas para o desenvolvimento do ceticismo: a religião, a política e a ciência. Na primeira, o ceticismo chamaria a atenção para o que Sim classifica de “fascismo teocrático”, onde a religião estaria exilada dos processos políticos, conduzida à esfera privada, sendo amplamente tolerada, embora não encorajada por nenhuma outra esfera. O autor ressalta a inconveniência, nos tempos de hoje, da política baseada na fé que se está imiscuindo no mundo ocidental, assim como no mundo islâmico, arrastando consigo uma ciência embasada na fé.

Na esfera política, o ceticismo beneficiaria de uma ampla dose de ceticismo para manter em evidência e prestígio as tradições democráticas do pluralismo. Revigoraria os sistemas políticos, que andam cabisbaixos, repletos de Berlusconi, Mubarak, Kadafi e outros animalescos, desarmando as tensões e dissensões que não democratizam, muito pelo contrário.

Finalmente, na área da ciência, o ceticismo proporcionaria a ampliação da desconfiança naqueles que se imaginam poderosos no manejo de uma tecnologia avançada. A inteligência artificial (IA), a vida artificial (VA), as safras geneticamente modificadas (GM), as pesquisas com células-tronco e as técnicas de clonagem estão a requerer procedimentos éticos complexos, exigindo ampliações do ceticismo no monitoramente das suas evoluções. O criacionismo sem debate, posto que proclama “ser a Bíblia o texto que dá resposta a tudo”, favorece as crenças sem questionamentos no âmago do empreendedorismo científico.

A punibilidade dos velhacos e o desabilolamento dos disleriados, utilizando terminologia do Jessier Quirino, favorecerá um ambiente mundial menos tenso emocionalmente, fazendo emergir religiões reinventadas, onde as manipulações fundamentalistas das variadas denominações seriam fraternalmente superadas.

Somente através de uma esquerda religiosa que saiba conquistar companheiros não-crentes, sem quaisquer intenções conversistas, poderemos edificar uma espiritualidade planetária acima das denominações, consolidando uma paz universal efetivamente fraternal.

(Publicada em 21/02/2011, no Portal da Revista ALGOMAIS, Recife – PE)
Fernando Antônio Gonçalves