VACINA OPORTUNA


Ando irado e meio com um montão de gente que poderia ser classificada em três grandes blocos: os fingidos, os medíocres e os acanalhados. E muito me alegrei com as leituras proporcionadas pelas crônicas do psicanalista e filósofo Luiz Felipe Pondé, colunista amado/odiado da Folha de São Paulo, autor do chicoteador Contra Um Mundo Melhor – ensaios do afeto, recentemente editado pela editora Leya, ele também autor do muito recomendado O Homem Insuficiente, editado pela EdUSP. Uma vacina muito oportuna.

Inimigo figadal dos lugares comuns e velhos chavões da esquerda e das atitudes dominadoras dos metidos a proprietários de humanos rebanhos, Pondé faz parte de um grupo seleto de intelectuais brasileiros memoráveis como Nelson Rodrigues e Paulo Francis. Os textos do livro não devem ser lidos pelos três identificados acima, mas sim pelos antenados socialmente comprometidos com o futuro do planeta, isentos dos fuxiquismos, coitadismos, dolorismos, vitimismos e outros ismos que apenas ampliam o retardo mental dos seres humanos que respiram por exclusiva sobrevivência, pouco se lixando para seus caminhares, posto que desrespeitam-se continuadamente como indivíduos fingidos, medíocres tecnicamente ou acanalhados por ausência absoluta de um mínimo de postura convivencial.

A trajetória do Luiz Felipe Pondé teve início em agosto de 2008, quando ele foi reconhecido como “o melhor antídoto contra o colunismo sonífero que, salvo raríssimas exceções, vem devastando os jornais brasileiros”. Ele encerrava assim seu artigo primeiro, inaugurando suas inúmeras cutucações futuras: “Da próxima vez que você for ao zoológico, olhe no olho de um chimpazé e veja se não parece haver ali uma alma encarcerada como a sua”.

O Pondé se revolta diante de um mundo que mente sobre si mesmo, onde um ceticismo se encontra contaminado por uma sensação mista de tragédia e (in)conformismo, envolta num hedonismo apolitizado pelos que se imaginam sempre salvos, nunca infelizes diante da derrocada de todos os demais.

Como professor, às vezes me sinto decepcionado quando vejo as construções docentes sem resultados muito efetivos. Quando constato que a maioria dos alunos, até pouco tempo antes da graduação, já se acostumaram com as iniquidades que combatiam na adolescência. Quando até muitos formados assimilam rapidamente que o lucro é o que importa, quedados diante dos políticos que fraudam ou se dizem autores de realizações fantasiosas.

A leitura do livro do Pondé deixa nu os fingidos que se imaginam bonzinhos nas ante-vésperas do Natal e aquelas mães que argumentam ter sido uma briguinha de adolescentes as intenções assassinas dos seus filhos marginais, apesar dos carros na garagem e da conta bancária. E os que anseiam ver seus nomes em colunas sociais sensaboronas, as fotos sempre remetidas em .jpg via internet para os mais dóceis. Que nunca se lembram da lição maior de Schopenhauer: “não há nada tão desgraçado na vida da gente que ainda não possa ficar pior”, ignorando que luz é, e sempre será, a metáfora da inteligência.

Para deixar um gosto de quero-mais nos lúcidos leitores JC, inteligentes e antenados – nunca os mentalmente ananzados – reproduzo alguns pensares do Pondé, que dedicou seu livro “aos meus alunos que fazem a minha vida profissional ter sentido”:

– O abismo pode ser encontrado tanto entre as pernas de uma mulher que desejamos terrivelmente como pode ser figura do habitat físico e espiritual onde vivemos.
– Os mitos são verdades psicológicas. Só ignorantes os tomam como mentiras.
– O grande escritor pernambucano Nelson Rodrigues costumava falar que vivemos uma época dominada pelos idiotas.

O último pensar do Pondé, acima, me fez recordar uma “educadora” do Conselho Nacional de Educação que se imaginou cheia de glória ao tentar idioticamente censurar Monteiro Lobato, imaginando-se algoz do Sítio do Pica-Pau Amarelo.
Publicado no Jornal do Commercio, Recife, Pernambuco, 22.12.2010)

Jornal do Commercio, 22.11.2010
Fernando Antônio Gonçalves