UTOPIAS PROFÉTICAS


Um livro que rompe a lógica da civilização da riqueza está sendo bem recebido pelos que se encontram cada vez mais inquietos diante da desigualdade escandalosa entre os mais ricos e os mais despossuídos. De Jon Sobrino, Fora dos Pobres Não Há Salvação, Paulinas, 2008, o livro integra a coleção Ecclesia XX e analisa em seis utópico-proféticos ensaios um momento paradoxal vivenciado pela Igreja nestes primeiros anos de século 21: uma crescente espiritualidade vivenciada sob uma forte atmosfera de descrédito nas atuais estruturas eclesiásticas.
No Prólogo, Sobrino ressalta advertência feita pelo jesuíta Ignácio Ellacuría em seu último pronunciamento público, em Barcelona, novembro de 1989, dez dias antes de ser brutalmente assassinado: “Esta civilização está gravemente enferma, e, para evitar uma desenlace fatídico e fatal, é necessário tentar mudá-la”. E Ellacuría enfatizava, sem qualquer sectarismo: “É preciso reverter a história, subvertê-la e lançá-la em outra direção”. Ellacuría, para quem ainda o desconhece, foi um teólogo jesuíta que estudava o sentido da vida num mundo tecnologicamente avançado. Nascido na província de Biscaia, novembro de 1930, filho de pai oftalmologista, bacharelou-se no Colégio dos Jesuítas de Tudela, Navarra, tendo estudado Teologia em Innsbruck, Áustria. Foi aluno do consagrado professor Karl Rahner, ordenando-se sacerdote em 1961.
Seguindo os passos de Ellacuría, Jon Sobrino em seus ensaios defende a formatação de “um novo eixo sobre o qual girem de forma humana os diversos elementos que configuram uma sociedade”. Tal processo “supõe reverter o dogma de que o mundo girará bem, definitivamente, apenas ao redor da riqueza”.
Jon Sobrino, aquele mesmo que foi censurado recentemente pela ex-Santa Inquisição, afirma que “a denúncia profética está hoje bastante ignorada pela Igreja”, sendo “substituída, no melhor dos casos, por juízos éticos sobre liberalismo, a guerra etc.” Esclarece ele que “ética não é o mesmo que profecia, doutrina social não é o mesmo que denúncia profética e, em todo caso, aquela não é suficiente, pois a palavra que só enuncia princípios éticos é facilmente cooptada”. Para ele, “a denúncia é pôr à luz os males da realidade, as suas vítimas e os seus responsáveis”.
Para os que desapercebidos estão sobre a enfermidade do planeta, algumas informações chocantes: na África, com mais de dois bilhões e meio de pessoas sobrevivendo com menos de dois euros por dia, vinte e cinco mil morrem diariamente de fome, segundo estimativas da FAO; a desertificação ameaçando a vida de mais de um bilhão e duzentos milhões de habitantes numa centena de países; Alemanha, Canadá, EEUU, França, Itália, Japão, Reino Unido, Rússia e China sendo responsáveis por mais de 90% das exportações de armas; a retenção de apenas 4% das 225 maiores fortunas do mundo sendo suficiente para dar comida, água, saúde e educação a toda a humanidade. Dados estatísticos que exigem atenção redobrada dos mais conscientes diante do declarado por um missionário cambojano em Uganda: “as estatísticas não sangram, as pessoas sim”.
Jon Sobrino mostra que a indecência social desumaniza. E que os produtores dessa ignomínia multifacetária parecem zombar autofagicamente quando menosprezam os direitos humanos fundamentais dos povos, favorecendo corrução e impunidade, agigantando o egoísmo e a insensibilidade, enaltecendo assistencialismos simplistas através da infantilização da solidariedade social e religiosa.
O 11 de setembro é conhecido, terrorismo contra os Estados Unidos. Mas o 7 de outubro caiu no esquecimento: data em que a comunidade internacional democrática bombardeou o Afeganistão. A lógica comparativa é perversa: os pobres não têm calendário.
O livro do Sobrino alfineta consciências, revalorizando a mensagem de Jesus. Por um Povo crucificado que necessita de urgente ressurreição.