UMA NOTÁVEL LIDERANÇA


De amigo caríssimo, vinculado à liderança da Igreja Evangélica Anglicana do Brasil, em Brasília, na véspera do Dia das Crianças e da Padroeira do Brasil, Nossa Senhora de Aparecida, para os idiotizados de sempre apenas um feriado a mais para praia, fuleiragens, futebol e papos sem eira nem beira, recebo um extraordinário livro: as Obras Completas de Teresa de Ávila, uma quarta edição conjunta das editora Carmelitana e Loyola. Com uma dedicatória que muito me sensibilizou: “Para o mano querido de caminhada permanecer cada vez mais atento às hipocrisias religiosas de todos os credos e conjunturas, tornando-se cada vez mais espiritualizado e muito mais socialmente comprometido”.

Para quem ainda não foi apresentado a Teresa, seu nome completo é Teresa de Cepeda e Ahumada, nascida na província de Ávila, Espanha, de uma família da baixa nobreza. Seus pais chamavam-se Alonso Sánchez de Cepeda e Beatriz Dávila e Ahumada, e Teresa referia-se a eles sempre com muito carinho.

Os escritos de Teresa de Jesus refrigeram aqueles que esperam soluções com a velocidade dos correios eletrônicos dos tempos de agora, ao mesmo tempo que ensinam, através da adoção de uma série de atitudes básicas, como responder ao Senhor da História. Autodidata, a formação dela foi exclusivamente doméstica, o seu primeiro livro, A Vida, jorrando da sua pena quando já se aproximava dos cinquenta anos. Reformadora dos cenários religiosos do seu tempo, com seu espírito crítico, sua ousadia e seu apaixonado serviço à causa do Senhor, jamais contemporizou com os clérigos e bispos panacas do seu tempo, que sempre desejaram ser mais divinizados que o próprio Criador. Bostando-se todos no frigir dos ovos. Como até hoje tem acontecido.

Contando com a colaboração de São João da Cruz, outro inquieto com as mediocridades do Carmelo da época, Teresa de Ávila, também Teresa de Jesus, proclamada solenemente doutora da Igreja, em setembro de 1970, por Paulo VI, buscou sempre transmitir aos seus companheiros de apostolado as quatro atitudes fundamentais que devem ser tomadas para saber responder às interpelações de Deus: discernimento teologal, centralização em Cristo, comunhão com a Igreja através de ampla criticidade histórica e uma esperança ativa num mundo menos desigual e mais solidário. Segundo ela, o caminho a ser seguido será o de um continuadamente denso amadurecimento/crescimento, partilhando-se o destino de Jesus, morrendo-se cristão, expondo-se às contradições e às dificuldades através de uma vivência plena de uma espiritualidade encarnada na realidade cotidiana, consubstanciada na esperança de cumprir bem a missão confiada pelo Homão da Galileia.

As cartas de Teresa de Ávila são francas, diretas, abertas, sem retóricas, absolutamente “desfrescurizadas”. Sobre assuntos os mais variados, escreveu ela para nobres e plebeus, pessoas humildes e parentes. Seu estilo é muito agradável. Como na carta enviada, em 19 de novembro de 1576, à Madre Maria de São José, Priora de Sevilla: “Antes que me esqueça. Muito boa teria eu achado sua carta ao Pe. Mariano se não fosse aquele latim. Deus livre a todas as minhas filhas de presumirem de latinistas. Nunca mais lhe aconteça isto, nem consinta”. Uma paulada nas pedantices que já naquela época pululavam pelos quatro cantos de algumas comunidades religiosas. Paulada também dada numa carta endereçada ao pe. Ambrósio Mariano, em 15 de março de 1577: “De falar com o Arcebispo, guarde-se muito, uma vez que Vossa Reverendíssima já o informou: não convém, por mais facilidade que tenha de abordá-lo. Ele tomou a seu cargo o negócio; e, sendo assim, o melhor modo de negoaciarmos é calar e falar com Deus”. O nepotismo naquela época campeava, como ainda em pleno século XXI, inclusive em áreas episcopais do Nordeste do Brasil, comandadas ainda com quase nula democracia.

Segundo escritos biográficos, “Teresa de Ávila é considerada um dos maiores gênios que a humanidade já produziu. Mesmo ateus e livres-pensadores são obrigados a enaltecer sua viva e arguta inteligência, a força persuasiva de seus argumentos, seu estilo vivo e atraente e seu profundo bom senso. O grande Doutor da Igreja, Santo Afonso Maria de Ligório, a tinha em tão alta estima que a escolheu como patrona, e a ela consagrou-se como filho espiritual, enaltecendo-a em muitos de seus escritos”.

Um pouco de Teresa de Ávila diariamente, certamente revigorará homens e mulheres que necessitam descer dos seus troninhos pedantocráticos, apaixonar-se mais pelo Homão da Galileia, embebedando-se dos Seus balizamentos na construção de futuros planetários humanos, socialmente dignificantes, de usufrutos mais bem equidistribuídos.

(Publicada em 22.10.2012, no Jornal da Besta Fubana, Recife, Pernambuco)
Fernando Antônio Gonçalves