UMA MULHER DESCAVILOSA


Às vésperas de mais uma quarta-de-final, onde os pés serão enaltecidos por milhões e as mentes voltadas para uma bola que está rolando em gramados distantes, determinadas leituras não-técnicas muito auxiliarão aqueles que necessitam ampliar sua cidadania através de uma “enxergância binoculizadora” que propicie alternativas para arapucas ofertadas todo santo dia, maravilhas que escamoteiam tragédias individuais, regionais e nacionais.

Confesso que um livro-bofetada muito me auxiliou, dias atrás, quando responsabilidades direcionais me foram atribuídas por um colegiado da área educacional estadual por mim muito amado. Um texto que ressalta, através de linhas esplendorosamente bem escritas, os mitos enganosos da nossa contemporaneidade, com memória bastante débil sobre tragédias vivenciadas nos tempos recentes, século XX, Munique, Pearl Harbor, Auschwitz, Gulag, Bósnia, Ruanda, 11 de setembro e Iraque, para citar as talvez mais vergonhosas, sem qualquer similitude dos registros históricos de todos os ontens terrestres.

Parabenizo a Lya Luft, escritora gaúcha e professora universitária. Seu livro Múltipla Escolha, Record, à venda nas principais livrarias do país, principia com uma definição sem autor definido: “Viver é subir uma escada rolante pelo lado que desce”. Para cima, as renovações, as aspirações, os desafios pessoais, familiares, comunitários e profissionais, os caminhos aparentemente insuperáveis e os sonhos emergidos em concretizações nunca estáveis. Enfrentados sem medo nem ódio, as forças que puxam para baixo utilizando-se das sombras do desencanto, da depressão, da acomodação, dos receios e dos esquecimentos. Para não falar das futilidades e fugas dos que se refugiam nas drogas, no álcool, nos medicamentos, nas religiosidades equivocadas, manipuladas por interesses pecuniários de espertalhões de olhinhos revirados e estratégias distanciadas dos ensinamentos do Homão da Galileia, que abominava sepulcros caiados.

A Lya Luft não contemporiza: nos consideramos modernos e vivemos sufocado sob precoceitos os mais abobados, “carregando na mala da culpa as pedras do medo”, “confundindo palavra e grito, silêncio e frieza”. Não sabemos ser diferentes, sempre submetidos às modernosidades midiáticas, aos desfiles de moda esdruxulamente imbecilizantes, carentes de uma efetiva orientação, não sabendo separar o joio do trigo, caráter e pênis, vida familiar e dondocagens socialites, coerência e delírio por cinco minutos de fama. Se desestruturando quando tardiamente percebemos que os conceitos seguidos são enganosos e infundados, que não levam a lugar algum. , “pegadinhas do ter de”, segundo ela, “uma manifestação típica do nosso tempo, contagiosa e difícil de curar porque se alimenta da nossa fragilidade, do quanto somos impressionáveis, e da força do espírito de rebanho que nos condiciona a seguir os outros”.

Uma alegria imensa tomou conta do meu interior quando li a expressão usada pela escritora: espírito de rebanho. E quando se instala o ES (Espírito de Rebanho)? Quando nos deparamos com pessoas repletas de culpas, medos e preconceitos. Segundo a Lya, “membros de uma manada social, política, econômica, cultural, padronizada, desesperados ou fúteis, criadores ou robotizados, covardes ou heróicos, amorosos ou perversos, modernos mas assustados, caregando a vida sem curti-la”. E ela assegura que “não só a igualdade é um mito, como querer ser igual é negar sua própria essência”.

Vez por outra uma pergunta me é feita: “Por que os meninos estão cada vez mais abobalhados que as meninas?” E a resposta que dou é sempre a mesma: os meninos continuam abestalhados como sempre foram, as meninas é que estão bem mais maduras, com uma sexualidade precocemente desenvolvida. E estão com um senso intuitivo muito mais acentuado que os meninos, que imaginam o racionalismo de Descartes eterno para todo o sempre, sempre a serviço das suas iniciativas machistas, nunca de seres humanos situados e datados, de imaturidade escanteada, com autoestima consolidada a partir da conscientização da finitude.

Recomendo a leitura da livro da Lya Luft. Para a juventude e também para os pais e mães de todas as idades. Para que todos percebam que o espírito é mais importante que as rugas e pregas, devendo ser festejadas as coisas boas do passado, sem as nostalgias que enodoam. Tendo consciência dos nossas deficiências e despreparos, alimentando o senso de humor, nulificando os azedumes, buscando a moralidade sem moralismos, nunca parecendo ridículos.

Para a gente amada deste Bate & Rebate, cantinho de site que me é proporcionado por este Portal famoso, a recomendação final da Lya Luft, uma gaúcha muito esplendorosa: “Viver é todos os dias partejar a vida”. Vivamos, pois !!

(Portal da Globo Nordeste, 02.07.2010, Blog BATE & REBATE)
Fernando Antônio Gonçalves