UMA HISTÓRIA INICIADA NA GALLEIA


No romance Um Homem Chamado Jesus, Frei Betto, autor consagrado de mais de 50 livros, traz para o nosso tempo a vida do Nazareno mais arretado que se tem notícia, numa linguagem revestida de primorosa beleza estética. A leitura emociona e informa, revigora compromissos e faz pensar na maior revolução histórica de todos os tempos provocada pelo Galileu, na direção da igualdade de homens e mulheres, da tolerância e do perdão entre os povos. Uma revolução que está sendo asfixiada por igrejas que buscam transformá-lo em mero imã financeiro.
Recomendo com entusiasmo o livro do Frei Betto aos irmãos de todas as áreas cristãs, inclusive meus irmãos espíritas, de gigantesca solidariedade para com os desvalidos dos seus derredores comunitários.
Reproduzo, abaixo, três pequenos textos do livro, para ilustrar o seu estilo e a contemporaneidade da narrativa, favorecendo um querer ler mais sobre o Filho da Maria e do José, ele um trabalhador que lidava com artefatos de madeira, pai de outros meninos, inclusive Tiago. Trechos de muita beleza:
“Após a morte de Isabel, João busca abrigo junto aos monges essênios que, como ele, rejeitam o Templo. No mosteiro de Qumran, espremido entre os paredões das montanhas do deserto de Judá e o Mar Salgado, cuida dos pergaminhos. Escalpela ovelhas e cabras, lava as peles, depila-as, mergulha em cal, estica e raspa, umedece-as, esfrega com cal em pó e dá o polimento com pedra-pomes. Espera secar e, então, copia os textos das regras monásticas, dos profetas e dos Comentários de Habacuc”. … “Antes de deixar Cafarnaum, Gamaliel tenta reconciliar-se com Jesus. Mesmo prevendo um diálogo difícil, como entre pessoas que falam idiomas distintos, procura-o em companhia de Selas e Simão Pidoeus. Por que os teus discípulos violam a tradição dos antigos? Indaga o doutor da lei. Que tradição? Revida Jesus. Teus discípulos vão a Jerusalém e não pagam o imposto da didracma e os dízimos. Nem sequer lavam as mãos para comer. E se alimentam de carnes impuras, afirma Simão Pidoeus.” … “Trinta e cinco anos após a ascensão de Jesus, circulavam pelo colar de cidades à beira do Mediterrâneo fragmentos de papiros e pergaminhos contendo narrativas de seus feitos. As primirivas comunidades cristãs disputavam, ávidas, os relatos das curas que ele operara, das palavras que dissera, dos gestos que fizera, lidos nas celebrações da ceia do Senhor”.
Se o Homão da Galileia hoje peregrinasse entre nós, seguramente disseminaria a reflexão que Charles Chaplin nos legou, para que cada seguidor seu pudesse avivar bem intensamente o que foi escrito por Frei Betto, no romance que relata sua existência: “Cada pessoa que passa em nossa vida, passa sozinha, pois cada pessoa é única para nós e nenhuma substitui a outra. Cada pessoa que passa em nossa vida passa sozinha mas não se vai só, nem nos deixa só, leva um pouco de nós e deixa um pouco de si mesma. Essa é a mais bela responsabilidade de nossas vidas e a prova tremenda de que as almas não se aproximam por acaso.”
O homem Jesus seguramente não apreciava os vitimistas, aqueles que se imaginam coitadinhos e que encasquetaram o princípio mórbido de que se deve sofrer bem muito por aqui para ganhar a Eternidade.
(Publicada em 10 de janeiro de 2010, no Jornal do Commercio, página Religiões, coordenada pela jornalista Carmen Peixoto)

Fernando Antônio Gonçalves