UMA CARTA PSICOGRAFADA


Em 1980, a cidade de Franca, São Paulo, foi abalada com a desencarnação autoprovocada de uma bela jovem de 13 anos, no anoitecer do dia 29 de outubro de 1980, muito amargando a vida de seus pais, irmãos, parentes, amigos e vizinhos.

Em 25 de abril de 1981, Fernando Luíza Batista dos Santos enviava, através do médium Chico Xavier, a seguinte mensagem para sua mãe, Maria Aparecida Gatez Santos, ajudando-a a ter certeza num futuro encontro. Diante dos suicídios que se estão ampliando mundo afora, transcrevo a mensagem enviada pela Fernanda à sua mãe querida, favorecendo uma reflexão de todos nós, país e avós, amigos e parentes, recordando a reflexão de Emmanuel, mentor espiritual de Chico Xavier, para quem “ninguém te pode medir a dor, mas urge reconhecer que, por mais que soframos, há sempre alguém na travessia de obstáculos maiores. … E quando a noite se te descobre ante a jornada, os astros refletidos em teu olhar proclamarão, por dentro de ti mesmo, que força alguma te poderá despojar da condição luminosa de criatura de Deus.“ Eis, na íntegra, a mensagem enviada pela Fernandinha:

“Querida Mamãe Aparecida, abençoe a sua filha, perdoando-me o desequilíbrio a que me entreguei sem pensar na dor que lançava em meu próprio caminho.
Sou trazida até aqui pela vovó Maria Honorata porque, por mim própria, não conseguiria vir.

Sei que alterei a família toda com a resolução infeliz.

Querida Mãezinha, você e o papai Mauro me perdoarão se procurei aquela arma propositadamente. Aproveitei o ruído daquele mesmo aparelho de som, que a sua bondade me deu com sacrifício, para liquidar comigo!

Ninguém conseguirá imaginar o sofrimento da infeliz menina que fui por minha própria conta! Nada sabia da vida, nem guardava experiência alguma. Entretanto, a ideia de me ausentar do mundo me obcecava …

Não pensei no sofrimento dos meus e nem avaliei quanto me queriam todos em casa. Um pequenino desgosto de criança rebelde e compliquei tanta gente…

Pobre Sam! Um amigo que nem podia tomar conhecimento da minha presença, e eu a dramatizar o inexistente!

Querida Mãezinha, reconheço que aos pais não é preciso rogar desculpas, no entanto sinto-me de joelhos a lhes pedir para que me auxiliem, esquecendo-me o gesto alucinado…

Não sei de todo o que se passou…

Lia com interesse tudo quanto se referisse aos casos de amor e paixão e, antes de me formar na fé, acreditei-me pessoa adulta, quando não passava de menina que se afundou voluntariamente num poço de lágrimas.

Tenho recebido o socorro de vários parentes, dentre os quais me sinto mais ligado à vovó Honorata, porque ainda não saí da posição de doente grave. Tenho o coração doendo e a cabeça ainda bastante desorientada. A senhora, meu pai, o Walter João e as irmãs compreenderão que não pode ser de outra maneira.

Não tenho palavras para descrever o meu arrependimento, no entanto deixaram-me escrever-lhes estas notícias, para que me alivie, desinibindo os meus sentimentos sufocados.

Rogo à Anita, à Aparecida Helena e à Glória para me perdoarem. Quando me lembrem, por favor, não me recordem como sendo o retrato de uma criança enlouquecida de arma na mão. Recordem-me nos momentos em que, despreocupada, não me intoxicara, ainda, com ideias de autodestruição.

Preciso refazer a minha própria imagem. A vó Luiza e a irmã Ana, que veio até a minha pobre presença a pedido de nosso Carlos, muito me amparam.

Envergonho-me, porém, de receber tantas bênçãos, quando errei calculadamente, conquanto sem conhecimento antecipado do que fazia. Agradeço às nossas amizades que, até hoje, me reconfortam com orações.

A nossa benfeitora Maria da Conceição de Barros, a quem o seu carinho rogou por mim, estendeu-me as mãos e um médico de nome Dr. Ulysses, também de Franca, se compadeceu de mim por intercessão dela.

Como vê, não estou desvalida, porque a Infinita Bondade de Deus não nos abandona. Apenas ignoro como conseguirei rearticular o meu organismo agora dilapidado. A vovó Honorata me consola e busca reanimar-me.

Querida Mamãe Cida, perdoe-me e aceite-me por sua filha outra vez… Creia, Mamãe, só a cabeça perturbada e doente me faria agir contra mim própria e contra a felicidade dos que mais amo.

Não posso continuar, porque o pranto não escreve, e as lágrimas me asfixiam os pensamentos com que eu desejava formar as palavras de súplica à família toda, para que me recebam novamente no coração, tal qual fui antes da minha resolução infeliz. Deus nos proteja e me auxilie a retomar a tranquilidade que ainda não tenho.

O papai e todos os meus me perdoarão com o seu apoio de mãe, e eu lhe rogo, querida mamãe, para que o seu sorriso brilhe de novo para mim, a fim de que eu possa recomeçar a minha caminhada de esperança.

Perdoe-me e receba em seu colo a sua filha, que é hoje a sua criança doente.

Ensine-me outra vez a pronunciar o nome de Deus com a fé que o seu carinho me transmitiu; cante outra vez, para que tanta dor me permita dormir e receba muitos beijos de sua filha, ainda errada e sofrida, mas sempre sua filha do coração, por ser agora a mais necessitada de todas.
Sempre a sua, Fernanda.”

Às pessoas de todas as idades, crenças, escolaridade e etnia: nunca alarguem as feridas mentais existentes em seus interiores e, como na música popular, “levantem-se, sacudam a poeira e deem a volta por cima”, jamais se esquecendo de dar um abraço naqueles aflitos que se encontram conturbados nos descampados da desesperança, sejam eles quem forem.

O meu querido irmão Hélder Câmara costuma dizer que “nunca faça de uma lagartixa um jacaré”, posto que, segundo o próprio Dom, “depois de escura noite vem sempre uma radiante madrugada”.

(Publicado em 05.03.2018 no site do Jornal da Besta Fubana (www.luizberto.com) e em nosso site www.fernandogoncalves.pro.br)
Fernando Antônio Gonçalves