UMA BAITA GOLEADA
Dou plena razão ao Charles Darwin (1809-1882) quando, certa ocasião, 1871, ele escreveu: “A ignorância alimenta a confiança mais frequentemente do que o conhecimento: são aqueles que sabem pouco, e não aqueles que sabem muito, os que tão confiantemente assumem que este ou aquele problema nunca será resolvido pela ciência”. Uma constatação que se comprova todos os dias pelos mais variados canais da comunicação século XXI, quando não ecoada aos quatro cantos do mundo por fundamentalistas que se imaginam receber as informações diretamente do Criador, este um interlocutor que lhe dá preferência absoluta de recepção, pouco se lixando para o que um enviado dele disse: “se tiveres fé, fareis coisas melhores que eu”. Fé, aqui entendida, na capacidade de ampliar sua criatividade e sua imaginação, desligando-se dos disse-me-disses que apenas “astravagam o pogresso”, como categorizava aquele personagem de famoso programa de televisão.
Mesmo diante de uma globalização acelerada e irreversível, inúmeros ainda acreditam em mula-se-cabeça, cumadre fulozinha, perna cabeluda, sexta-feira 13 e outras presepadas que nos ensinaram (ou nos foram impingidas) na escolas, nas catequeses religiosas e nos papos acontecidos com nossos avós queridos, muitos deles interioranos e eivados de preconceitos e superstições. E que se recusam a ouvir explanações convincentes de pessoas altamente qualificadas que, utilizando metodologias comprovadas, desmontam superstições e fantasias, inclusive muitas que se encastelaram em documentos tidos e havidos como sagrados, nada mais sendo que conteúdos engabeladores para o acabrestamento de mentes degenerativamente ingênuas.
Alguns dados são deveras preocupantes: apesar das estupendas descobertas científicas, inclusive brasileiras, inclusa entre as melhores do planeta, um terço dos brasileiros rejeita as descobertas científicas dos últimos 150 anos, acreditando piamente que o ser humano foi criado por um ser superior nos últimos 10 mil anos, 89% dos entrevistados achando que o criacionismo deve ser ensinado nas escolas. E com um aditivo mais constrangedor ainda: que o criacionismo deve substituir o evolucionismo. Para os que se encontram distanciados do assunto, criacionismo, segundo a Wikipedia, “é a crença em que a humanidade, a vida, o planeta Terra e o universo foram criados na sua forma original por um ou mais deuses cuja existência é assumida.” O termo criacionismo é muito frequentemente utilizado para se referir à rejeição à evolução.
Um fato comprova o nível mental ainda muito primário do mundo contemporâneo: grande parte da população mundial se encontra muito distanciada do papel contributivo da ciência e da tecnologia na construção do que somos hoje, não demonstrando qualquer interesse por aquilo que se desconhece. Em 2007, pesquisa efetuada pelo Ministério de Ciência e Tecnologia, efetivada em conjunto com a Academia Brasileira de Ciências, apontou que 58% da população brasileira tinha “pouco ou nenhum interesse” por ciência, enquanto 51% tinha muito interesse em assuntos religiosos, comprovando a marginalização de milhões de pessoas do que existe de mais moderno no conhecimento contemporâneo. Dados que apontam um questionamento deveras necessário: será que a comunidade científica brasileira está exercendo de forma eficiente seu papel de divulgadora das ciências ou se encontra encarapitada nas egolátricas torres de marfins, contemplando seus próprios umbigos, resultados, papers e outros arrotos?
A leitura do livro de um divulgador brasileiro – A goleada de Darwin: sobre o debate Criacionismo / Darwinismo, Sandro de Souza, Rio de Janeiro, Record, 2009, 222 p. – me proporcionou uma gigantesca ampliação da minha enxergância, sem a mínima perda na transcendentalidade espiritual que comungo. Sua feitura, didaticamente exemplar, dá um baita SIM numa pergunta que muitos fazem atualmente: “É possível que uma mesma pessoa seja um duplo D, devota e darwinista?”, como fez o próprio Charles Darwin, em carta escrita em 1879: “Parece-me absurdo duvidar de que um homem possa ser um ardente crente teísta e um evolucionário.”
O livro do biólogo Sandro Souza, PhD em Bioquímica pela Universidade de São Paulo, com pós-doutorado (quatro anos) na Universidade de Harvard, sob orientação do professor Walter Gilbert, Prêmio Nobel de Química, possui 10 capítulos. O primeiro apresenta uma introdução ao darwinismo, enfatizando seu impacto muito além das apenas ciências da vida. No segundo é apresentado o criacionismo e as suas diferentes versões. Nos três capítulos seguintes, Souza aponta as contribuições do darwinismo, as previsões da teoria de Darwin confirmadas nos últimos 150 anos, e as evidências advindas da genética e da genômica. No sexto capítulo é debatido o movimento criacionista contemporâneo a partir do denominado “design inteligente”, no sétimo sendo apresentado as motivações políticas que sustentam os movimentos criacionistas. No capítulo oitavo, o criacionismo no Brasil é devidamente analisado, enquanto o capítulo seguinte mostra como Darwin perdeu a crença no Deus conceituado em sua época. O capítulo último é reservado para uma análise entre ciência e religião.
Num apêndice, Sandro de Souza reproduz sentença do juiz federal americano John Jones III referente ao status científico pretendido pelo movimento criacionista. Tudo começando, em outubro de 2004, quando a Secretaria de Educação do município de Donver, Pensilvânia, EEUU, tentou introduzir religião das aulas de ciência, ensejando um mandato judicial de um grupo de pais e moradores da cidade. Um veredicto que deveria constar em todos os cursos de Pedagogia de um Brasil que necessita mentalmente se agigantar, sob pena de uma muito extensa e prejudicial era de abestalhamento mental nunca libertador.
(Divulgado em 13.06.2016, no www.fernandogoncalves.pro.br)
Fernando Antônio Gonçalves