UMA AUTORA ENCANTADA POR LOBATO
Diferentemente de uma certa “educadora” que recentemente tentou, numa insana porra-louquice para obter cinco minutos de fama midiática, enoitar a obra do notabilíssimo Monteiro Lobato, uma entrevista publicada na revista CULT 151 lavou minh’alma, erradicando da minha mente a descabida baboseira praticada por quem deveria respeitar-se mais no cargo que temporariamente ocupa, certamente nomeada através de uma das poucas precipitadas decisões do quase ex-presidente Luíz Inácio Lula da Silva.
E a vacina tomada foi uma entrevista concedida por Tatiana Belinsky, uma jovem senhora de 91 anos, autora de mais de 250 livros publicados, ainda em plena atividade, com muita energia acomodada numa poltrona verde de sua casa, com uma escrivaninha por ela mesma bolada, um pedaço de madeira acobertando uma gorda almofada que acolhe papel, caneta e uma inventividade prodigiosa de quem tomou, desde criança, a Emília do Monteiro Lobato como modelo definitivo para sua vida. Emília sempre representada por uma enorme boneca, a contemplar sua admiradora de um canto da sua área de trabalho intelectual.
A paixão de Tatiana pelos trabalhos de Monteiro Lobato ampliou-se desde quando ela, já casada, recebeu à noite um telefonema de alguém que se anunciava como Monteiro Lobato, recebendo como resposta a declaração de que quem estava do outro lado da linha era o rei Jorge da Inglaterra. Esclarecimentos prestados, era o próprio Lobato, de quem Tatiana tinha lido o primeiro texto em português, meses após sua chegada ao Brasil, uma historieta do Jeca Tatu num folheto de propaganda de remédio contra ancilostomose divulgado pelo laboratório Fontoura. E a razão do telefonema era um artigo do marido Júlio Gouveia publicado na revista Literatura e Arte sobre literatura infantil, que muito teria entusiasmado o já célebre escritor.
A paixão pelos personagens lobatianos ensejou, no Natal de 1951, um convite da TV Paulista ao casal Tatiana/Júlio para a apresentação de uma história infantil, ainda sem a tecnologia dos dias atuais. O sucesso foi tamanho que, logo depois, a TV Tupi convidou o casal para criação e implementação de programas semanais para crianças, nos moldes de um teleteatro. Foi quando surgiu a primeira adaptação do Sítio do Picapau Amarelo, Tatiana tendo escrito, ao longo de 12 anos, 1.500 roteiros, cabendo ao marido a apresentação do programa, logo tornado líder de audiênca.
Quando estava redigindo este texto para o muito lido Portal da Globo Nordeste, encantado com a energia criativa da Tatiana Belinky, eis que me deparo, na revista Carta Capital, com o Blog do Lobato, na criativa coluna Blogs do Além do jornalista Vitor Knijnik, sob título Reinações de Politicamente Corretinho. Onde o “próprio” Monteiro Lobato responde com estupenda ironia a asneirada pretensamente censorial do Conselho Nacional de Educação, da autoria de uma “educadora” dotada de uma vontade danada de aparecer nos noticiários impressos e televisivos, mesmo que numa área anedótica.
Na sua “mensagem”, Lobato deve ter proporcionado gargalhadas mil na Tatiana, seguramente uma inteligência que “prossegue sua faina de semeadora da alegria de viver em comunhão com os outros. Com seus sucessivos livros e sua alegre e fecunda palavra literária, continua a ajudar os que chegam a se autodescobrir, com a fraternal relação eu-outro. E nessa relação existencial, encontrar seus verdadeiros caminhos na vida”, num testemunho definitivo da crítica literária Nelly Novaes Coelho, ela e Taciana situadas muitos andares acima dos subterrâneos intelectivos da “educadora” denunciante, de lamentável iniciativa.
Para quem ainda não leu, eis a Nota Explicatva do Monteiro Lobato: “A personagem Dona Benta sempre esteve na história original. Ela não foi incluída posteriormente como merchandising de uma conhecida farinha de trigo. O carinhoso apelido de Narizinho não sugere que tal personagem tem por hábito o consumo de drogas ilícitas por via nasal. Quem o tem é a Emília, que ganhou vida ao aspirar o tal pó de pirlimpimpim. Não há nenhuma evidência de que o Visconde de Sabugosa, apesar de falar com grande sabedoria, seja transgênico. Marquês de Rabicó, eu sei, é um nome complicado. Pode zoar à vontade. Não é o que está queimando no cachimbo que faz o Saci pular sem parar. É a falta de uma perna mesmo. Por fim, Sítio do Picapau Amarelo não é uma menção à propriedade rural de um órgão masculino de um oriental. Eu jamais cometeria um pleonasmo como Pica-Pau.”
Tem gente, como a escritora Tatiana Belinky, que ama os livros, as crianças e a Vida. E tem indivíduo que só gosta de denuncismos, vitimismos, dedurismos e coitadismos. Merecendo apenas um imenso desprezo político, por não se espelhar condignamente em Zumbi dos Palmares e Tobias Barreto.
Se a “educadora” do Conselho Nacional de Educação tivesse lido os “esclarecimentos” do Monteiro Lobato reproduzidos no Blogs do Além do jornalista Vitor Knijnik, talvez desejasse ampliar a enlameadura da sua apalermada denúncia, como último serviço prestado a um Conselho que necessita dedicar mais atenção às ainda bastante precárias estratégias educacionais brasileiras, inclusive às do ENEM, de excepcionais finalidades e incompetentes implementações.
(Publicada em 18.11.2010, no Portal da Globo Nordeste, blog BATE & REBATE)
Fernando Antônio Gonçalves