UM NOVO MODO DE VIDA


Aos quarenta e tantos anos, tinha sido atleta universitário, embora concluindo seu curso superior com parco brilho intelectual. Depois da faculdade, tornou-se empresário bem sucedido, exercitando sua raquete de tênis num dos clubes da cidade. Embora inábil nas vivências culturalmente prazerosas, voltava-se continuadamente para um ganhar sempre mais, sem pretensão de entender as razões de um saudável existir.

Um dia, sobrinho encareceu-lhe compra de um livro. Folheando-o rapidamente, adquiriu outro exemplar, para uso próprio quando uma folga acontecesse. Certa noite, principiou com displicência uma leitura que o transformaria radicalmente, ensejando uma caminhada de alegria e prazer, deslumbramento e fascínio. Transformação sentida pelos familiares e funcionários, que agora o viam como um empreendedor sensível aos seus derredores, usando com sabedoria o binômio razão-paixão.

Para todos, ele recomendava agora a leitura do livro que tinha restaurado sua baterial existencial. O Prazer da Filosofia – Entre a Razão e a Paixão, de Robert Solomon, Civilização Brasileira, 2011, tinha sido o “elixir” que o despertara para novas enxergâncias. Como Solomon, “a filosofia continua a ser para mim, assim como para muita gente, fonte considerável de alegria e prazer, embora ‘alegria’ e ‘prazer’ não sejam palavras respeitáveis na filosofia profissional”. Filosofia profissional que distancia e já causa ojeriza nos jovens século 21, que já não aceitam conviver com pensadores gerados em pé numa rede, que não admitem a postura de Nietzsche, que “louvava a filosofia como alegre sabedoria”. E que compunha seus escritos com tons não tradicionais, recheando-os com ironias, frases de para-choque, canções de ninar, psicologia popular, pitadas de ocultismo e trocadilhos pra lá de inteligentes, para não falar das paródias e dos plágios. Tudo que irritava os filósofos profissionalizados, que se queixavam da sua falta de rigor e da ausência de teses consistentes. E que o detestavam quando o próprio Nietzsche proclamava que “não há fatos eternos, como não há verdades absolutas”, combatendo a filosofia dos secos e mal-humorados, os mentalmente anoréxicos.

Se há um manual que poderia mexer com o caminhar existencial de muita gente, inclusive de lideranças comunitárias, universitárias, partidárias e eclesiásticas, o nome dele é Prazer da Filosofia, de Robert Solomon. Texto bem distanciado dos parágrafos engasgadores, das reflexões herméticas, dos argumentos que buscam contemplar os próprios umbigos, dos que não admitem trocadilhos inteligentes, dos desapercebidos de um “comer pelas beiradas” filosofal, tal e qual aquele metido a sério que, ouvindo a história dos cegos que tateavam um elefante, proclamou que “só estava interessado na anatomia da tromba e não se importaria muito caso o elefante morresse”. Como se estivesse pronto para, elefante morto, levar consigo a tromba, grande, grossa e bem dura, para gozos de descrição aqui por pudor desnecessária.

Lendo o livro do Solomon, todos compreenderão porque o destino da filosofia só depende exclusivamente da nossa capacidade de nela instilar prazeres múltiplos, sem os azedumes brochotes típicos dos eternos iluminados, sempre autoclassificados de intelectuais.

(Publicado no Jornal do Commercio, Recife, Pernambuco, 13.07.2011)
Fernando Antônio Gonçalves