UM JUDEU MUITO ESTUDADO
Confesso que uma segunda leitura do livro muito ampliou minhas enxergâncias sobre o Homão da Galileia, nosso Irmão Libertador, a primeira tendo acontecido há mais de uma década. Quando li pela vez primeira o texto de Jesus segundo o judaísmo: rabinos e estudiosos dialogam em nova perspectiva a respeito de um antigo irmão, Beatrice Bruteau (org.), Paulus, SP, 2011, 2ª. edição, logo o percebi como uma contribuição notável para a ampliação do diálogo entre cristãos e judeus, substituindo preconceitos chiliques por conhecimentos, favorecendo gigantescos poços de energia espiritual entre os dois sistemas religiosos, ensejando uma fraternidade mais convincente e solidária, imprescindível para acalmar as atuais turbulências planetárias.
Advertindo que a sua intenção não é a de converter judeus ao cristianismo, tampouco vice-versa, Beatrice Bruteau, cofundadora da Scola Contemplationis, uma comunidade em rede internacional de contemplativos de todas as tradições, sediada na Carolina do Norte, apresenta três motivações para a efetivação do seu trabalho. A primeira delas tem a ver com o próprio Jesus. Segundo ela, “faz algum tempo que tenho a impressão de que o cristianismo, na qualidade de religião que fala de Jesus, é em muitos aspectos sobremodo distinta da religião que Jesus praticou pessoalmente e cuja prática estimulou”.
A segunda motivação se encontra relacionada com o povo judeu. Segundo ela, “os maus-tratos sofridos por judeus da parte de cristãos é uma longa história de vergonha e amargor. … É trágico que os judeus viessem a odiá-los em função do que os cristãos fizeram com eles”.
A motivação terceira está vinculada aos próprios cristãos, quando muitos anseiam ver Jesus em seu contexto original, assimilando melhor a atuação do Homão sob perspectivas judaicas, embora a maioria de ambas as partes ainda nutra dificuldades para discutir o tema sem obstáculos emocionais.
Antes do primeiro ensaio, a organizadora reproduz no livro uma reflexão de Laura Bernstein, psicoterapeuta infantil e mestre pela Universidade de Chicago, intitulada Uma Judia Escreve Sobre Jesus, o Judeu. Transcrevo seu texto integralmente: “Não posso escrever sobre Jesus. Sobre como você entrou em minha vida abruptamente, em meus 17 anos quando meu primeiro amor, do Moody Bible Institute, me apresentou a você e você se tornou meu segundo amor por algum tempo. Aprendi a rezar em seu nome e também consultei sua mãe sobre questões espirituais. Minha mãe disse que cultuar você era pior que ser prostituta. Fui para a faculdade, meu coração oprimido, minha cabeça em uma coroa de espinhos. Durante anos parei de me comunicar com você. Tivemos um estremecimento. Parei totalmente de rezar e comecei a pagar a psiquiatras pela minha salvação. E tornei-me eu mesma terapeuta, um médico ferido, ainda buscando, ansiando, sofrendo; ainda não rezando. Décadas mais tarde, a escola rabínica me atraiu, e vi-me lançada no deserto de seu gramado natal, Jehoshua – aprendi hebraico, li a Torá, cantei salmos, entoei súplicas místicas. Chamei você de meu amado irmão quando os homens amish que estavam no jardim me perguntaram se eu o amava. E você veio a mim em um sonho: juntos recitamos orações litúrgicas em outro jardim. Seus olhos eram transparentes, suas mãos macias. Você me deu dois presentes – um cachecol e um par de meias, vestes para a jornada. Para manter abrigado meu pescoço? Para evitar que me esfriassem os pés? Nas minhas mãos, reluzia o tetragrama como estigmas – o nome sacratíssimo, impronunciável, de nosso pai. Está bem… Tudo está bem. Posso escrever sobre Jesus.”
O livro organizado pela Bruteau tem quatro partes – Concepções históricas e teológicas, Avaliações e interpretações, Concepções pessoais e A Conversa continua -, possui 250 páginas e um epílogo da autora, curto e denso, onde ela agradece aos colaboradores, ansiando por uma outra linha de desenvolvimento de estudos e pesquisas, a de passar do nível acadêmico ao congregacional e familiar, multiplicando as atividades inter-religiosas que atualmente já fecundam promissoramente os horizontes judaico-cristãos.
No prefácio do livro Cristianismo da perspectiva judaica, por aqui não publicado, seus editores assim se pronunciaram: “Acreditamos que chegou a hora de os judeus aprenderem sobre o cristianismo em termos judaicos: redescobrir as categorias básicas do judaísmo rabínico e escutar a maneira como soam as categorias cristãs básicas quando ensinadas nos termos desse judaísmo rabínico. Ouvir o cristianismo em nossos próprios termos é de fato compreendê-lo, quem sabe pela primeira vez”. (Christianity in Jewish Terms, Colorado, USA, Westview, 2000).
Alguns ensaios do livro merecem atenção, muita reflexão e apreendências: A evolução das concepções judaicas a respeito de Jesus, Conversando sobre a Torá com Jesus, Jesus e eu, e Jesus – um profeta do judaísmo universalista.
A leitura do livro da Beatrice Bruteau seguramente proporcionará uma mais acurada compreensão sobre o Homão da Galileia sob múltiplas perspectivas, favorecendo uma espiritualidade mais acurada, historicamente separando o joio do trigo nas denominações judaico-cristãs. Também substituindo preconceitos por conhecimentos, ensejando a emersão de uma humanidade mais ampla e plena.
Para quem deseja se enfronhar melhor sobre a vida desse revolucionário muito arretado, recomendo para início do ano a leitura de JESUS – A BIOGRAFIA, de Jean-Christian Petitfils, SP, Editora Benvirá, 2015, 528 p. Uma análise baseada nas mais recentes descobertas arqueológicas e aquisições da exegese bíblica, principalmente a partir dos manuscritos do Mar Morto.
PS. A solidariedade prestada pelo torcedor colombiano ao Chapecó, na última quarta-feira num campo de futebol de Medellin, sensibilizou um sem-número de espectadores, inclusive eu, que cheguei às lágrimas. Uma demonstração inequívoca de fraternidade latinoamericana. Força Chape !!!!
(Publicada em 05.12.2016, no site do Jornal A Besta Fubana e no www.fernandogoncalves.pro.br)
Fernando Antônio Gonçalves