UM ESPECIALISTA EM KARDEC


Apreciador de textos elaborados por quem sabe dominar as técnicas da pesquisa documental, deparei-me recentemente, num sebo paraibano, de uma biografia de José Herculano Pires, mais conhecido por J. Herculano Pires ou Herculano Pires, um dos maiores defensores brasileira da Doutrina Espírita. Intitulada J. Herculano Pires – O Apóstolo de Kardec, Jorge Rizzini, São Paulo, Paideia, 2001, 288 p. Um livro que “arrebata e faz o leitor crescer espiritualmente”, segundo testemunho do biógrafo sobre um filósofo, educador, jornalista, escritor, parapsicólogo, romancista, poeta e fiel tradutor de Allan Kardec, de inteligência superior iluminada pelo Espiritismo, dotado de uma cultura humanística de grande magnitude. Cujo capítulo mais dramático da sua trajetória existencial, considerado um dos mais significativos do Movimento Espírita Mundial foi a batalha travada contra uma falsificação feita de uma das obras principais de Kardec, O Evangelho Segundo o Espiritismo.

O próprio biógrafo de Herculano reproduz, na Apresentação, trecho de crônica de Caio Porfírio Carneiro, escritor não kardecista, publicado no jornal Linguagem Viva, outubro de 2000, um 3 x 4 perfeito do analisado: “Parece que estou vendo o Herculano Pires sentado no bar, em frente ao prédio do Diários Associados, na Rua 7 de Abril, aqui em São Paulo, onde trabalhava, naquela tarde ensolarada, cercado de amigos, bebendo qualquer coisa, creio que nada alcoólico, e respondendo nossas perguntas curiosas sobre espiritismo. Era ele um estudioso e devoto da doutrina, kardecista famoso, convidado anualmente pela direção do Bradesco para a festa na Cidade de Deus, criação do presidente do Banco, Amador Aguiar, para os funcionários. Era e sempre foi uma festa belíssima no Dia de Ação de Graças. Compareciam representantes de destaque das mais diversas religiões cristãs. O único que representava uma corrente espiritual não religiosa era Herculano Pires. Quando chegava sua vez de falar e abria o verbo, encantava a todos. … Tipo mais ou menos gordo, estatura mediana, óculos, andar meio bamboleante, rosto cheio, corado, irradiava uma simpatia pessoal muito grande. … Não externava sua cultura, sua vasta leitura em praticamente todos os campos do conhecimento. Criatura modesta, cavalheiro de primeira linha, simples por natureza. Apenas quando soltava o verbo, como nas festas na Cidade de Deus, o vulcão vinha ao vivo, mostrava-se fulgurante, brilhante, dono de uma inteligência privilegiada.”

Sobre o capítulo considerado mais dramático da vida de J. Herculano Pires, também classificado como um dos mais significativos da História do Movimento Espírita, aconteceu em 1973, quando Herculano Pires combate, com todas as suas forças intelectuais, contra uma publicação apócrifa do Evangelho Segundo o Espiritismo, efetuada sob o selo da Federação Espírita do Estado de São Paulo, a partir de uma ingenuidade cometida por Chico Xavier, por ocasião da visita de dois espertalhões a Uberaba. Um dos trechos da denúncia do J. Herculano: “É realmente triste, para mim, ter de reconhecer e precisar dizer de público que Chico revelou desconhecer a extensão de sua responsabilidade no campo doutrinário. Mas a verdade é essa, pois se o reconhecesse não teria formado com Paulo e Jamil o trio interessado em ‘abrandar’ o Evangelho. Chico entrou numa canoa furada por invigilância, como ele mesmo confessa, e ainda agora, reconhecendo o erro, quer sustentá-lo para não faltar com a solidariedade aos dois patetas, sem se lembrar das consequências que o seu endosso a essa miserável trapaça, filha da ignorância e da vaidade, poderá acarretar para o movimento espírita. É duro dizer isto, mas é verdade.”

Posteriormente, em 1978, Herculano e Chico Xavier publicaram o livro Na Hora do Testemunho, ratificando a fidelidade de ambos à doutrina kardecista, onde declara: “Não façamos do Espiritismo uma ciência de gigantes em mãos de pigmeus. Ele nos oferece uma concepção realista do mundo e uma visão viril do homem. Arquivemos para sempre as pregações de sacristão, os cursinhos de miniaturas de anjos, à semelhança das miniaturas japonesas de árvores. Enfrentemos os problemas doutrinários na perspectiva exata da liberdade e da responsabilidade de seres imortais. Reconheçamos a fragilidade humana, mas não nos esqueçamos da força e do poder do espírito encerrado no corpo. Não encaremos a vida cobertos de cinzas medievais. Não façamos da existência um muro de lamentações. Somos artesãos, artistas, operários, construtores do mundo e temos de construí-lo segundo um modelo dos mundos superiores que esplendem nas constelações. Estudemos a doutrina aprofundando-lhe os princípios. Remontemos o nosso pensamento às lições viris do Cristo, restabelecendo na Terra as dimensões perdidas do seu Evangelho. Essa é a nosso tarefa.”

A produção literária do J. Herculano Pires, considerado um dos maiores especialistas brasileiros na Doutrina Kardecista foi pródiga em fecundas antecipações acerca da sua desencarnação. Minutos após sua desencarnação, o corpo ainda se encontrando no hospital, o Herculano Pires enviou a seguinte mensagem, através de um médium amigo, para sua família: “Família querida/ Vivendo contigo / Dias felizes e amenos /Uma experiência do lar prossegue a vida / Coragem e otimismo / Não quero ‘pompas nem velas’ / Apenas a simplicidade de um professor de interior em metrópole e céus e estrelas! / Sustente em apoio vibratório a casa! / Ampare o livro da codificação. … Se há dificuldade de captar a escrita, imagine a de despertar aqui, para dizer aos daí: Sobrevivência d’alma! Muita paz em Jesus.”

Uma biografia que dignifica a vida de um autêntico divulgador kardecista.
PS. Recomendo com entusiasmo a leitura de Introdução ao Espiritismo, SP, Editora Paideia, 2009, 534 p, organizado pelo J. Herculano Pires. Uma leitura sementeira por derradeiro.

(Publicado em 03.07.2017 no site do Jornal da Besta Fubana (www.luizberto.com) e em nosso site www.fernandogoncalves.pro.br.)