UM CARTÃO DE BOAS FESTAS


Recebi um bem escrito Cartão de Natal. De pessoa querida, também irmã de caminhada, uma encantadora sessentona com tudo ainda nos seus devidos lugares, há mais de vinte anos distanciada de um abraço meu. Já avó de quatro adolescentes, dois gatos e duas princesas, ela nunca perdeu o jeito de ser nordestina, uma simplicidade rodeada de uma autenticidade sem salamaleques, hoje a serviço, como leiga militante de uma ONG na Espanha.

O cartão, com dizeres de Charles Chaplin, me rejuvenesceu, me fez regredir aos anos setenta, época das botas, repleta de muita pancadaria e não menos resistência, quando ela, também docente universitária que nem eu, sentia a discriminação dos tacanhos por ensinar filosofia com os olhos voltados para a realidade brasileira.

Não tenho o direito de guardar o escrito de Charles Chaplin, logo ele que fez Tempos Modernos, Luzes da Ribalta e O Grande Ditador, homéricas bofetadas nos fuinhas autoritários do mundo. Com talento incomum, Chaplin, nos seus filmes, sabia como ninguém denunciar os egoísmos e os orgulhos bestas dos que jamais enxergarão os altos iluminados.

O pensar do genial Carlitos vale para todos aqueles que nunca menosprezaram os ontens facilitadores dos amanhãs mais criticamente binoculizados a cada alvorecer. Ele faz reavivar pessoas amadas das mais variadas maneiras, tornadas indeléveis em nosso caminhar terrestre. Eis o que Chaplin nos legou, para que cada leitor possa também avivar bem intensamente seus diferenciados caminhos percorridos:

“Cada pessoa que passa em nossa vida, passa sozinha, pois cada pessoa é única para nós e nenhuma substitui a outra. Cada pessoa que passa em nossa vida passa sozinha mas não se vai só, nem nos deixa só, leva um pouco de nós e deixa um pouco de si mesma. Essa é a mais bela responsabilidade de nossas vidas e a prova tremenda de que as almas não se aproximam por acaso.”

Se eu pudesse, neste Natal remeteria para os amigos, todos os leitores deste Portal famoso e os companheiros de além mar, o livro Brasil: Uma História, do Eduardo Bueno, “autor que libertou a História do Brasil dos bancos escolares”. E junto com o livro, enviaria um cartão, da Melba e meu, com os seguintes dizeres: A partir de 2011, “abra seus braços para as mudanças, mas não permita que elas ultrapassem os seus valores; ame profundamente, sem medo de se machucar; não permita que pequenas disputas machuquem uma grande amizade; tenha um forte comprometimento e contínua paixão pelo seu trabalho; aprenda algumas regras e quebre outras tantas; e tenha sempre uma visão positiva do mundo e do seu derredor”.

Para todos os brasileiros, particularmente os pernambucanos e pernambucanizados que nem eu, que seja melhorado o bom em 2011, descobrindo-se melhor a essência das coisas. Que nossas mentes nos impulsionem para um caminhar de cabeça serenamente mais erguida, mais solidária e menos solitária. E que tenhamos suficiente coragem de correr o risco de efetivar até as boas idéias passadas, muitas delas não entendidas pelos que estacionaram nos pretéritos que não mais retornam.

No romper do ano de 2011, imaginar-se vinte anos na frente deverá ser um exercício prazeroso para os amantes de um desenvolvimento regional para todos. Fazendo emergir sentimentos nunca revelados, espiritualidades mais consequentes, choros contidos e alegrias escamoteadas por desintegrações adversas.

No raiar de 2011, saibamos abordar com serenidade as razões mais recônditas dos méritos fingidos. Reconhecendo as urgências e as ressurgências, para erradicar as previsões megalômanas, redimensionando esperanças, as hipocrisias estrepitosamente vencidas pelas consistentes intercomplementaridades entre o ser, o ter e o sonhar.

Empenhemos múltiplos esforços na busca de uma “viabilização do impossível”, ousando muito além da mera “implementação do viável”. Jamais esquecendo que a miséria é muito má conselheira, além de conservadora, saudosista e autoritária. Lastimando menos, cidadanizando-se mais, para adquirir outras posturas, pessoais e comunitárias, percebendo, sempre sem medos, que pão, trabalho, liberdade e civilidade integram a melhor das receitas para se obter uma paz social nunca cemiterial.

Que os lúcidos se envolvam cada vez mais, evitando a proliferação dos pústulas. Que as atenções para o Ensino Fundamental se multipliquem, efetivamente. Que as Universidades não se transformem em palcos de disputas eleitorais, os mais talentosos sendo sempre mais incentivados. Que a estabilidade no emprego não favoreça a malandragem, nem a vitaliciedade judiciária acoberte cavilosas divinizações.

Orgulhemo-nos das nossas tradições culturais, jamais humilhando as das demais regiões da Terra. Porque o frevo, que é pernambucano, necessita ser também admirado pelo mundo afora. E aprofundemos nossos conhecimentos culturais, evitando as firulas dos que apenas desejam levar vantagens, fingindo-se de popular.

Que em 2011, saibamos melhor diferenciar, no Congresso Nacional, palhaços de salafrários, os primeiros não fazendo mal a ninguém, os segundos sobrevivendo graças a uma descidadanização dos que sempre ignoraram as execuções do Dr. Guillontin, na França do século XVIII.

Que no próximo ano, busquemos discernir melhor entre propósitos políticos e canalhices eleitoreiras, favorecendo convivialidades prazerosas, rejeitando sem esmorecimento a idiotice predatória daqueles que se tornaram patologicamente contaminados por um conformismo alienado e que menosprezam as mudanças que se fazem inadiáveis.

(Publicada em 23.12.2010, no Portal da Globo Nordeste)
Fernando Antônio Gonçalves