UM BAITA TAPA
Recebi certa feita de amiga fraterna, um texto que me atordoou como se uma bofetada tivesse levado. Do Neto, diretor de criação e sócio da Bullet, é sobre a atual crise mundial. Merece aqui ser reproduzido: “Vou fazer um slideshow para você. Está preparado? É comum, você já viu essas imagens antes. Quem sabe até já se acostumou com elas. Começa com aquelas crianças famintas da África. Aquelas com os ossos visíveis por baixo da pele. Aquelas com moscas nos olhos. Os slides se sucedem. Êxodos de populações inteiras. Gente faminta. Gente pobre. Gente sem futuro. Durante décadas, vimos essas imagens. No Discovery Channel, na National Geographic, nos concursos de foto. Algumas viraram até objetos de arte, em livros de fotógrafos renomados. São imagens de miséria que comovem. São imagens que criam plataformas de governo. Criam ONGs. Criam entidades. Criam movimentos sociais. A miséria pelo mundo, seja em Uganda ou no Ceará, na Índia ou em Bogotá sensibiliza. Ano após ano, discutiu-se o que fazer. Anos de pressão para sensibilizar uma infinidade de líderes que se sucederam nas nações mais poderosas do planeta. Dizem que 40 bilhões de dólares seriam necessários para resolver o problema da fome no mundo. Resolver, capicce? Extinguir. Não haveria mais nenhum menininho terrivelmente magro e sem futuro, em nenhum canto do planeta. Não sei como calcularam este número. Mas digamos que esteja subestimado. Digamos que seja o dobro. Ou o triplo. Com 120 bilhões o mundo seria um lugar mais justo. Não houve passeata, discurso político ou filosófico ou foto que sensibilizasse. Não houve documentário, ong, lobby ou pressão que resolvesse. Mas em uma semana, os mesmos líderes, as mesmas potências, tiraram da cartola 2,2 trilhões de dólares (700 bi nos EUA, 1,5 tri na Europa) para salvar da fome quem já estava de barriga cheia.”
Concordo plenamente com a amiga remetente: “Como uma pessoa comentou, é uma pena que esse texto só esteja em blogs e não na mídia de massa, essa mesma que sabe muito bem dar tapa e afagar. Se quiser, repasse, se não, o que importa? O nosso almoço tá garantido mesmo…”
Em mim, o tapa estrondou com mais efetividade. Eu tinha acabado de ler uma reportagem sobre a Reunião do G-20 acontecida em Washington. Que trazia uma fotografia dos líderes presentes, onde o nosso presidente é único que, idioticamente, levanta os dois dedinhos polegares para a foto oficial, querendo dizer “tudo ótimo” para a posteridade, talvez por não saber nada sobre a gravidade mundial, para ele uma simples “marolinha”, ou por não ter entendido o “espírito da coisa” patrocinada por um presidente norte-americano inescrupuloso, metido fingidamente a campeão do liberalismo, quando é responsável direto por chacinas múltiplas e inúmeras guerras genocidas, que consumiram uma quantia de dinheiro que seria suficiente para alterar a face econômica do planeta, favorecendo os povos menos desenvolvidos.
Os dois polegares para cima do presidente Inácio da Silva, estampados numa fotografia histórica, seguramente facilitará a identificação futura dos “bobos da corte”, que assinaram um documento para inglês ver, endossado por um presidente que tem pouco mais de sessenta dias de mandato e o maior índice de rejeição da história presidencial estadunidense. E que está muito satisfeito com o agachamento da nação mais rica da América Latina, Brasil, que já pagou de juros, de 1990 a 2007, 1,2 trilhão de reais, quantia que poderia construir 24 milhões de moradias para 54 milhões de irmãos brasileiros, que vivem em habitações indignas, segundo levantamento ao IPEA. O gasto com juros, no período citado, é mais que o dobro das despesas efetivadas com saúde, educação e investimentos somados!
É hora de promovermos a redução dos anestesiamentos demagógicos e eleitoreiros. Um PAC – Projeto de Ampliação da Cidadania urge, para contrapor-se a um outro PAC – Programa de Anestesiamento Comunitário, onde pão e circo apenas postergará a hora de crises mais densas e prolongadas.
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Fernando Antônio Gonçalves é professor universitário e pesquisador social
(Publicada em 20.08.2012 no Jornal da Besta Fubana, Recife, Pernambuco
Fernando Antônio Gonçalves