TRATADO APEDREJADO


Em 1670, um judeu foi considerado publicamente um subversivo religioso, por disseminar ateísmo e libertinagem, causando um significativo alvoroço na história intelectual europeia. Tudo porque o livro escrito semeava as bases do pensamento liberal, secular e democrático num contexto de mais de um século de beligerâncias religiosas.

O livro, Tratado Teológico-Político (Martins Fontes, 2008) foi escrito por Baruch de Espinosa e classificado pela contemporaneidade do autor como o “livro ateísta repleto de abominações”, “um livro forjado no inferno, escrito pelo próprio diabo”. Razão: Espinoza tinha sido o primeiro a argumentar que a Bíblia não é literalmente a palavra de Deus, antes uma obra literária escrita por homens dotados de fascínio religioso. Ele declarava que religião verdadeira nada tinha a ver com teologia, cerimônias religiosas e dogmas sectários, consistindo apenas numa simples regra moral – a do amor ao próximo -, as autoridades religiosas não se devendo imiscuir em questões governamentais. Indo mais além: que a divina providência nada mais é do que as leis da natureza, que milagres são impossíveis de acontecer, posto que “a crença neles é tão somente uma expressão da nossa ignorância sobre as verdadeiras causas dos fenômenos, os profetas do Antigo Testamento eram pessoas comuns, embora eticamente superiores e de imaginação vívidas”.

Espinosa apresenta uma intransigente defesa da tolerância e da democracia, principalmente o capítulo XX, “onde se demonstra que num Estado livre é lícito a cada um pensar o que quiser e dizer aquilo que pensa”.

O Tratado Teológico-Político, juntamente com O Príncipe de Maquiavel, são considerados duas obras-primas que deveriam dar lucidez às ações dos políticos, tornando-os mais sensíveis aos anseios sociais e bem mais atentos às mutações de sentimentos comunitários, principalmente num país emergente como o Brasil, onde até bem pouco tempo o que interessava era samba, bunda, carnaval, cerveja, malandragem e futebol.

Na UNICAP existe um Grupo de Reflexões Mutações 21, que favoreceria a ampliação da enxergância de formadores de opinião, as obsolescências ideacionais sendo postas numa prateleira de assuntos não mais despertadores, boas novas sendo apresentadas com ousadias serenas e humildes, a favorecer iniciativas pioneira para os amanhãs regionais, pernambucanos em primeiro lugar.

Está na hora de revivenciar a Escola do Recife, a de Tobias Barreto. Antes que a tecnocracia bur(r)ocrática tome conta dos nossos amanhãs. Pela memória, verdade e justiça no Brasil! E para que não se esqueça, para que nunca mais aconteça!, um lema já utilizado, mas que muita inspiração poderia acarretar no Mutações 21, debates ocorrendo “sem medo e sem ódio”, como dizia o senador Marcos Freire, morto num desastre muito mal explicado.

(Publicado no Jornal do Commercio, Recife, Pernambuco, 21.09.2013
Fernando Antônio Gonçalves