TIPO INESQUECÍVEL


Outro dia, um jovem aniversariante de 75 anos, escreveu esta pérola: “Acho que a vida humana não se mede nem por batidas nem por ondas cerebrais. Somos humanos, permanecemos humanos enquanto estiver acesa em nós a chama da esperança da alegria. Desfeita a esperança da alegria, a vida perde o sentido. É isso que desejo quando acendo minha vela. Peço aos deuses que me levem quando a chama da esperança da alegria se apagar”.
O nome do jovem é Rubem Alves, que o Brasil das boas leituras conhece, aplaude e o tem como um guru muito porreta. Um escritor que exercita sua terapia através de uma sólida sabedoria, transmitida por múltiplos ensinamentos. Sem filosofês, nem aquelas afetações de olhinhos revirados e semblante bestalhão, típicas dos fingidos malabarismos transcendentais de carterinha, mais mealheiros que sementeiras.
Nos seu último livro, Desfiz 75 anos, editora Papirus, 2009, Rubem Alves aprimora com invulgar talento, sua capacidade de escrever com alegria d’alma, aquela que é mais eficaz que o simples prazer. Uma diferença por ele bem explicada: enquanto o prazer necessita de um objeto e tem um limite, a alegria só necessita da memória. Fica-se alegre somente em pensar num momento de felicidade vivenciado, jamais se saciando de uma fome de alegria. Rubem Alves é categórico: “Quem tem alegria está em paz com o universo, sente que a vida faz sentido”. E de quebra ainda cita o premiado guitarrista Norman Brown, que considera a perda da alegria uma consequência direta da ausência da simplicidade de viver, fortalecendo as pulsões do desistir, também conhecido por Tânatos, na mitologia grega.
A leitura do livro do Rubem deve ser concretizada como se ele estivesse contido num conta-gotas. Pingado bem devagar no interior de cada um, cada reflexão sendo degustada sem qualquer precipitação, os olhos percorrendo as linhas com a volúpia de quem deseja ser mais cidadão num país que necessita ser possuidor de uma distribuição de renda menos aviltante, nunca abjeta.
O texto Lições de Política detina-se aos eleitores 2010, aqueles que irão eleger os novos governados, o presidente da República, uma nova Câmara de Deputados e uma parte do Senado Federal, os dois últimos integrantes de um Congresso Nacional que urge ser solidamente higienizado pelos eleitores de todos os rincões. Apenas um ítem, como amostra: “’Todos os cidadãos são livres e têm o direiro de exercer a sua liberdade’. As galinhas são vegetarianas e têm o direito de comer milho. As raposas são carnívoras e têm o direito de comer as galinhas”.
Os textos do livro do Rubem Alves possuem, no final de cada um, reflexões de duas admirações suas: Fernando Pessoa e Miguel de Unamuno. Duas delas, uma de cada um, respectivamente: “Dói-me na inteligência que alguém julgue que altera alguma coisa agitando-se. A violência, seja qual for, foi sempre para mim uma forma esbugalhada de estupidez humana” ; e “Talvez que a imensa via-láctea, por nós contemplada nas noites claras, esse enorme anel do qual nosso sistema planetário não é mais do que uma molécula, não seja por sua vez, mais que uma célula do Universo do Corpo de Deus”. E muito vale a pena ler e reler o parecer por ele redigido, a pedido da reitoria da UNICAMP, sobre o educador Paulo Freire. Um primor de não-parecer, sem burocratês, nem academiquês pedantocrático.
A última página do livro é inesquecível para os que postulam uma evolução com radical respeito pelo meio ambiente. Uma página-bofetada aplicada nos prefeitos “modernosos”, que menosprezam o verde que não asfixia, favorecendo espigões que estrangulam sadios desenvolvimentos urbanos e ampliam congestionamentos, muros e medos. Intitulada Árvores, sinal de atraso …, a crônica conta a história de uma cidade, cujo prefeito, de imbecibilidade ampliada por uma auto-proclamada empáfia – “O Município é eu” – estimulou o corte de árvores para que a cidade se tornasse melhor apreciada pelos situados nos altos.