TEXTO MUITO ATUAL


Se me indagassem sobre uma leitura de antes da Segunda Guerra Mundial que guarda uma baita contemporaneidade, não titubearia em indicar O Mal Estar na Civilização, de Sigmundo Freud, volume 18, edição recente da Companhia das Letras, a primeira em língua portuguesa, traduzida do original alemão.

Alertado do lançamento pelo conselheiro Reginaldo Fonteles, do Conselho Estadual de Educação de Pernambuco, constatei que o texto acima integra um conjunto de outros tantos: Novas Conferências Introdutórias à Psicanálise, Tipos Libidinais, Sobre a Sexualidade Feminina, A Conquista do Fogo, Por que a Guerra, além de prefácios e ensaios breves, escritos entre 1930 e 1936. Sem nenhum desmerecimento dos demais, O Mal Estar na Civilização, escrito em 1930, deveria se tornar leitura obrigatória para todos aqueles que são possuidores de responsabilidades civilizatórias, inclusive os não-gatunos do Ministério dos Transportes, em Brasília. E bem que poderia ser editado para professores de todos os níveis, que necessitam exercer com mais proficiência suas habilidades magisteriais, ampliando suas criatividades e promovendo a fascinação dos seus educandos pelos desafios cognitivos dos amanhãs planetários.

Muito embora divulgado antes da ascensão de Hitler ao poder e no ano onde os nazistas obtiveram 6,5 milhões de votos e 107 cadeiras (de 577) no Reichstag, em 14 de setembro de 1930, as reflexões de Freud deverão ser lidas como escritos contemporâneos, tamanha a sua validade para os dias de hoje.

O primeiro parágrafo das reflexões de Freud é reflexo do que está acontecendo nos tempos de agora: “É difícil escapar à impressão de que em geral as pessoas usam medidas falsas, de que buscam poder, sucesso e riqueza para si mesmas e admiram aqueles que os têm, subestimando os autênticos valores da vida”.

Outro dia, numa unidade de ensino superior onde se capacita nas Ciências da Administração, um jovem acadêmico flertava de longe uma nordestina de cabelos longos e entrelaçados, que se fazia acompanhar de uma loura de cabelos cacheados, também portadora de uma beleza incomum. Percebendo a admiração do rapaz, uma outra jovem, apontando para a loura, proclamou alto e bom som para o galanteador: – A rica é esta!! Para sua infelicidade bajulatória, um velho professor, vindo logo atrás, identificou de imediato a puxa-saco, proclamando também em alto e bom som, os olhares voltados para o galanteador: – E a fresca é esta!! O que provocou algumas lágrimas na limítrofe e aplausos nos derredores testemunhais da cena. Tal e qual o descrito pelo Freud, há mais de 80 anos!!!

Sigmund Freud disse também: “Existem homens que não deixam de ser venerados pelos contemporâneos, embora sua grandeza repouse em qualidades e realizações inteiramente alheias aos objetivos e ideais da multidão”. Imediatamente, me recordei do Homão da Galileia, onde milhares, não o enxergando mais como imbatível libertador do domínio político imposto pelos romano, remeteram-O para a morte no madeiro, na companhia de dois outros arruaceiros. Um profeta de descomunal sabedoria, em nome do qual posteriormente muitos sabidões buscam aprisionar mentes e corações, mesmo que desatentando para redentoras espiritualidades.

Fico a imaginar como benefícios múltiplos causariam na estudantada universitária uma leitura atenta do texto do fundador da psicanálise, também médico neurologista austríaco e judeu, que perdeu quatro irmãs nas mãos dos carrascos nazistas. Certamente seriam desmoronados abestalhamentos, abilolamentos e bobajadas mil, acelerando nos leitores uma transição da área ingênua para áreas críticas, fortalecendo as memórias históricas individuais e coletivas. E postulando como paradigma basilar uma incompletude humana radicalmente perene, atualmente tida como inaceitável por uma tecnociência que se acredita ilusoriamente capacitada para solucionar todos os impasses e questionamentos dos amanhãs planetários.

Entretanto, como embasamento prévio, recomendaria duas leituras pra lá de agradáveis, além de binoculizadoras. Onde se aprende e apreende com prazer, ampliando enxergâncias e fortificando pensares acerca dos contextos mundiais e dos nossos próprios derredores, familiares, profisionais e comunitários. Dois textos radicalmente desabestalhadores. Sem ordem de grandeza, o primeiro intitula-se Filosofando – Introdução à Filosofia, de Maria Lúcia de Arruda Aranha e Maria Helena Pires Martins, Moderna, 2009. O segundo é da Escala Educacional. Intitula-se Filosofia Construindo o Pensar, de Dora Incontri e Alessandro Cesar Bighetto. Os quatro autores, docentes aplaudidos de longas caminhadas, transmitem saberes de forma ludicamente primorosa, sem superficialidades, ministrando respostas motivadoras para aprofundamentos e outras leituras.

Um humanismo revigorado e revigorante está de retorno à realidade dos nossos ambientes universitários mais desenvolvidos. Que anseiam pensar sem os fundamentalismos absurdos de uma época que buscar um respeito maior pelo meio-ambiente mundial.

(Publicada em 07.07.2011, no Portal da Globo Nordeste, blog BATE & REBATE)
Fernando Antônio Gonçalves