TEMÁTICA OPORTUNA


Quando se fala numa instituição criada pela Lei Complementar nº 125/2007 sob a denominação ADENE – Agência do Desenvolvimento do Nordeste, autarquia especial integrante do Sistema de Planejamento e de Orçamento Federal, vinculada ao Ministério de Integração Nacional, inúmeros não se recordam que as suas raízes, fortemente diferenciadas dos espectros institucionais de agora, se vinculam à SUDENE – Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste, criada no governo Juscelino Kubitschek, cuja primeira superintendência coube ao economista Celso Furtado, um talento nordestino nascido em Pombal, Paraíba, em 26 de julho de 1920. Eternizado em 2004, 20 de novembro, no Rio de Janeiro, sendo até hoje considerado “o cientista social latino-americano mais lido em todo o mundo”, ainda sendo atualmente classificado como “uma das principais referências intelectuais para grande parte dos economistas e pensadores do país”, na opinião do economista Eduardo Girão Santiago, PhD em Sociologia, docente do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Ceará, em seu texto biográfico Pensamento e Ação de um Combatente, publicado na edição 56 de Sociologia, editora Escala.

Com a devida licença, sugeriria à Universidade de Pernambuco, onde sou Professor Emérito, após 45 anos de muita dedicação e orgulho, a criação de uma cepaliana capacitação pós-graduada em Desenvolvimento Regional Integrado, na Faculdade de Ciências da Administração, tão logo a Escola do Recife pudesse ser instalada em acomodações mais adequadas. Um programa onde fossem ministradas, entre outras disciplinas, sólidas noções de Sociologia do Conhecimento, Teoria Antropológica da Cultura, Métodos e Técnicas de Pesquisa Social, História Social Geral, História Social Brasileira, Planejamento do Desenvolvimento, Ética Social, Formação Econômica do Brasil, Ideologias do Desenvolvimento na Pós-Modernidade, Planejamento Estratégico e Administração do Regional, Desenvolvimento Social e Dependência Econômica, Conquistas Sociais e Espaço Dividido, reverenciando Celso Furtado, que um dia, em suas anotações autobiográficas revelou “que o estudo sobre o tema do planejamento o conduziu para a leitura da Ciência Econômica e que, em pouco mais de dois anos, ainda na Universidade do Brasil, desvaneceu-se dos ‘encantos’ dessa ‘ciência menor’, destinada para ‘gente sem imaginação’”. Ironizando ainda “os malabarismos verbais com que o professor procurava transmitir a ideia de utilidade marginal (o último pedaço, o último copo de água) … ficou-me uma vaga impressão de jogos de espírito pueris”. A capacitação da UPE deveria ter uma seleção rigorosa de já graduados em Ciências Humanas e Sociais, metade das vagas destinadas aos já devidamente concursados no Setor Público, sendo constituído de professores de reconhecida competência, exigindo-se ao final monografia sobre aspectos regionais que poderiam resultar em dinâmicas atividades socialmente solidárias. Uma pós-graduação que objetivasse o desenvolvimento regional, para jamais existir a humilhação causada pelos favelões que envergonham qualquer comunidade.

A capacitação sugerida estaria refletindo uma preocupação recente do jornalista Hélio Schwartsman, da Folha de São Paulo: “projeção da ONG britânica Oxfam dá conta de que, em algum momento do ano que vem, a riqueza combinada do 1% mais próspero do mundo superará o patrimônio e a renda dos 99% restantes.”
Lembro-me de uma advertência feita pelo ex-superintendente da SUDENE à sua Assessoria Técnica: “O quadrado da hipotenusa é igual à soma dos quadrados dos catetos. Mas será que o triângulo é retângulo?” Será, queria dizer o notável economista, que a realidade estaria plenamente ajustada às regras de uma equação matemática? E sou testemunho dos soslaios pernósticos dos “matematizantes” do Curso de Economia da UFPE dirigidos ao geógrafo Manoel Correa de Andrade, por ele não ser diplomado em Ciências Econômicas. Logo ele, autor de A Terra e o Homem no Nordeste, obra consagrada internacionalmente, situada muitos furos acima dos “inputs”, “outputs” e “break-even-points” exibidos aos mais pueris pelos “sábios docentes” de uma época inicial da tecnocracia de carteirinha.

Duas recomendações últimas para quem busca se interessar por um aprofundamento multidisciplinar. A primeira, reflexiva leitura da Obra autobiográfica do economista Celso Furtado, Companhia das Letras, 2014. Com suas três partes – A Fantasia Organizada, A Fantasia Desfeita e Os Ares do Mundo -, onde são estabelecidas as salvaguardas contra um “democratismo” que tanto tem prejudicado a realidade do desenvolvimento brasileiro, bem como as ultrapassagens dos utopismos dos messiânicos, militontos nunca militantes, utilizando a criatividade poética do poeta Marcelo Mário Melo.

A segunda sugestão se prende à consultas múltiplas a um dicionário recentemente lançado, o Dicionário Temático Desenvolvimento e Questão Social, coordenado pela pesquisadora Anete B. L. Ivo. Segundo ela, “a construção política do desenvolvimento traz implícita, como contraponto crítico ao desenvolvimento econômico, uma demanda normativa de bem-estar e justiça social, que dialoga com a herança passada e as possibilidades do presente, de forma a orientar e explicitar as contradições que determinam a questão social do nosso tempo”. E ela vai além: “Talvez esteja em Caio Prado Junior a síntese das principais contradições entre as instituições políticas coloniais e a estrutura socioeconômica do país, que fundam os principais dilemas da questão social brasileira, caracterizada pelo enorme contingente de trabalhadores empobrecidos e desprotegidos dos direitos sociais e por uma sociedade profundamente desigual, inclusive no âmbito institucional. Suas interpretações suscitaram amplo debate entre intelectuais brasileiros, na década de sessenta, quando o autor questiona a tese da revolução burguesa no Brasil, que implicaria superar os supostos traços “feudais” da sociedade colonial, enxergando, então, na burguesia nacional, o ator central do projeto de desenvolvimento brasileiro.”

Numa conferência recente, alguém escreveu num flanelógrafo: “quando quiser saber alguma coisa sobre joias, não pergunte ao alfaiate, pergunte ao joalheiro”. Eis o caminho mais realista, menos prejudicial, mais consistente. Com apenas um porém: o consultado deve ser bom, mais que muito bom, ótimo, inspirador de muita confiança, conhecedor pleno de uma realidade, a da sua especialidade. Com os seus devidos derredores e antenações. E de plena sintonia com as redes sociais contemporâneas.

Se a proposta feita à Universidade de Pernambuco vigorar, certamente asseguraremos múltiplos estudos e soluções para o nosso desenvolvimento regional, favorecendo uma melhor distribuição da renda, reduzindo os “esmolismos” que tanto enojavam Luiz Gonzaga, ensejando uma política educacional voltada para uma profissionalidade solidária e cidadã. Compatível sempre com Pernambuco, imortal, imortal!!!

(Publicado em 23.02.2015, no site do Jornal da Besta Fubana – www.luizberto.com)
Fernando Antônio Gonçalves