SONHOS VIVIFICANTES


Volto a ler outro livro do rabino Harold Kushner, uma pequena obra prima prefaciada por um outro religioso. Leitura que é uma das belezas deste Brasil de hoje, ainda tão carente de esperanças.
Nas suas reflexões, excelentes para quem se encontra meio baratinado diante dos agitados tempos modernos, Kushner conta a história de um garoto que chegou da Escola Dominical e narrou para mãe a passagem do Mar Vermelho mais ou menos assim: “Os israelitas sairam do Egito perseguidos pelo Faraó e acamparam às margens do Mar Vermelho. Percebendo a aproximação das milícias inimigas, Moisés usou seu celular, a força aérea israelita foi acionada e os submarinos da marinha, com seus foguetes último modelo, protegeram todos durante a construção de uma gigantesca ponte, que permitiu a travessia de todo o povo, a alimentação ficando por conta de uma empresa especializada em fast-food”. Diante do espanto materno, o pirralho admitiu: “Não foi bem assim, mãe, mas se eu contasse da maneira que me contaram, você nunca iria acreditar”.
A historieta contada pelo rabino Kushner alerta todos aqueles que relatam fatos passados, religiosos ou não, com tamanho grau fantasiador que impossibilita uma convicção mínima sobre o acontecido, principalmente quando a transmissão é feita para aqueles que estão numa outra circunstância, com uma outra mentalidade. Não saber transmitir fatos passados é contribuir para a disseminação de explicações balofas, sentimentalóides e generalizantes. Fundamentalistas algumas.
Nossos símbolos, religiosos ou não, necessitam de uma contínua reoxigenação, postos em desuso aqueles que envelheceram ou tornaram-se inexpressivos. A questão relevante é saber transmitir aos mais jovens, através de uma sistemática educacional consistente, os símbolos que continuam vivificando religiões, cidadanias, ideários de justiça social e fraternidade, percebendo, e também influenciando, as velocíssimas mudanças culturais dos atuais contextos globalizantes.
Transcrevo, aqui, a título de exemplo notável, trecho da Oração do Amanhecer do jornalista Andrade Lima Filho, escrito há trinta e cinco anos atrás. De uma beleza simbólica atualizadíssima: “Tu, Senhor, és um cara legal. Eu sei. Sei e creio. … És o olhar do cego, a audição do surdo, a voz do mundo, a muleta do paralítico. És o sol das almas e o sal da vida. O princípio e o fim, o alpha e o ômega, o xis da grande equação na misteriosa e insondável aritmética do ser”. Um estilo, agradável, sedutor, sem babaquices espasmódicas, tampouco lamuriantes.
Reler o que permanece atualizado é muito diferente de releituras saudosistas, que apenas martirizam, posto que não mais energizam. Voltar a ler textos imorredouros é saber eternizar-se com eles, aproximando-se de um Ômega repleto de muita luz. Como, por exemplo, reler o Padre-Nosso, uma oração para gregos e romanos, teístas e pesquisadores.
PS. Para Dom Luiz Prado, Bispo Emérito e Reitor cinco estrelas do SETEK – Seminário Anglicano (Porto Alegre), que a cada dia agiganta-se mais relacionalmente, tornando-se primorosa companhia para um papo evangelizador. E para Dom Filadelfo Oliveira Neto, Bispo da Diocese Anglicana do Rio de Janeiro, que me proporcionou a oportunidade de conhecer mais de perto o seu clero.