SONHO PEDAGÓGICO


Numa escola pública pernambucana, quatro talentos se “encontraram” para uma exposição de ideias correlacionadas com os problemas educacionais do estado. O evento foi “programado” diante dos desafios que velozmente já se postam diante de nós. Tornados urgentes graças a uma advertência publicada no Le Monde, da escritora indiana Suzanna Arundhati Roy: “Um outro mundo está a caminho. Muitos de nós não estaremos mais aqui para assistir sua chegada. Mas, quando há silêncio em volta, se mantenho o ouvido atento, eu já consigo ouvi-lo respirar”.

Iniciado o encontro sob a coordenação da Moniquinha Vieira Lopes, sempre lindo talento hispânico nordestinizado, reverenciou-se Paulo Freire e a sua pedagogia crítica libertadora, voltada à justiça social e à participação política dos envolvidos. A exposição de cada participante deveria levar em conta as três perspectivas do nosso meio social: a conservadora, a reprodutora e a transformadora.

Bem cordatos, José Saramago, Eça de Queiroz, Fernando Pessoa e Friedrich Nietzsche sortearam suas participações direcionadas para as políticas públicas educacionais de Pernambuco. Expondo reflexões que ampliassem a profissionalidade cidadã de educandos e educadores, favorecendo o agigantamento de iniciativas substantivas nos empreendimentos desbravadores. Contribuindo, assim, para a emersão de novos modos de pensar, agir e criar, abjuradas as torres de marfim, jamais se desatentando para um questionamento de Ortega y Gasset, brilhante espanhol, admiração resoluta da Moniquinha: “Como podem as rãs falarem de mar, quando nunca saíram do charco?

O primeiro a falar foi José Saramago, Prêmio Nobel de Literatura 1998, que apresentou uma premissa: “as pessoas têm a necessidade de que se fale com elas com honestidade”. E relacionou seus balizamentos para as áreas de planejamento e gestão da educação: “Nas sociedades modernas, que chamam a si mesma de democráticas, o grau de manipulação das consciências atingiu um patamar intolerável. Isso gera um sistema que só é democrático na forma”; “O sindicalismo está domesticado, e essa foi a grande operação do sistema capitalista: a domesticação. E ao mesmo tempo nos dizem que somos livres – isso é o mais cruel”; “O único valor que considero revolucionário é a bondade, que é a única coisa que conta”; “Auschwitz não está fechado, está aberto, e suas chaminés continuam soltando a fumaça do crime que se comete a cada dia contra os mais frágeis. E eu não quero ser cúmplice, com a comodidade do meu silêncio, de nenhuma fogueira”; “Não suporto a maldade e a hipocrisia que cresceram à sombra não só do cristianismo, mas das religiões em geral, que nunca serviram para unir os homens”.

O segundo foi o filósofo alemão Friedrich Nietzsche, que apresentou seus aforismos afirmando serem eles um modo de “dizer em poucas frases o que outro qualquer diz num livro, o que outro qualquer não diz nem num livro inteiro”. No que foi muito aplaudido pelos presentes, admiradores da sua lucidez. Eis o que ele direcionou para a área educacional: “Não suporto almas estreitas: não têm nada de bom, tampouco nada de mau”; “Aquilo que se faz por amor está sempre além do bem e do mal”; “Dizemos bom o homem cordato, que evita conflitos, mas também dizemos bom o que deseja a luta e a vitória”; “Quanto mais nos elevamos, menores parecemos aos olhos daqueles que não sabem voar”; “O inimigo mais perigoso que você poderá encontrar será sempre você mesmo”; “O fanatismo é a única forma de força de vontade acessível aos fracos”; “Os lerdos do conhecimento imaginam que ele exige lentidão”.

Na sua vez, Fernando Pessoa já chegou afirmando que “nunca conheci quem tivesse levado porrada. / Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.” E enumerou, circunspecto, suas posturas preferidas: “Não sou da altura que me veem, mas sim da altura que os meus olhos podem ver”; “Precisar de dominar os outros é precisar dos outros. O chefe é um dependente”; “O mais alto de nós não é mais que um conhecedor mais próximo do oco e do incerto de tudo”; “Viver não é necessário. Necessário é criar”; “Duvido, portanto penso”; “Todo gesto é um ato revolucionário”; “O pessimismo é bom quando é fonte de energia”; “O que é preciso é cada um multiplicar-se por si próprio”; “No teatro da vida, quem tem o papel de sinceridade é quem, geralmente, mais bem vai no seu papel”; “O homem é do tamanho do seu sonho”.

Por último, as posturas do Eça de Queiroz foram as que mais provocaram: “Reconstruir é sempre inventar”; “É necessário acutilar o mundo oficial, o mundo sentimental, o mundo literário, o mundo agrícola, o mundo supersticioso – e com todo o respeito pelas instituições que são de origem eterna, destruir ‘as falsas realizações’ que lhe dá uma sociedade podre.”; “E qual é a posição dos deputados? … Na aparência, sentados, por dentro, de cócoras”; “A escola entre nós é uma grilheta do abecedário, escura e suja: as crianças enfastiadas, repetem a lição, sem vontade, sem inteligência, sem estímulo: o professor domina pela palmatória, e põe todo o tédio da sua vida na rotina do seu ensino”.

Depois das exposições, uma conclusão foi tirada: às vezes é preciso tropeçar para se tornar um profissional politicamente sintonizado com os anseios comunitários, sabendo assimilar bem a Teoria do Holofote de Karl Popper, matemático e filósofo: “o que o holofote torna visível depende da sua posição, da maneira como ele é colocado, de sua intensidade e das coisas que são iluminadas”.

E o colóquio foi encerrado pela Moniquinha Vieira Lopes, que reproduziu, alto e bom som, um texto do pesquisador argentino Andrés Oppenheimer, no seu livro Basta de Histórias!!, recentemente editado no Brasil: “Na Finlândia, descobri que os professores ganham salários equivalentes aos dos engenheiros e têm um status social invejável – somente 10% dos alunos com melhores médias no ensino médio podem entrar para o curso de magistério na universidade -, ao passo que, na maior parte dos países latino-americanos, ocorre o contrário: muitos dos que se dedicam à docência são aqueles que por diversos motivos não conseguiram estudar advocacia, medicina ou ciências econômicas”. Sendo entusiasticamente parabenizada.

(Publicada em 06.01.2014, no Jornal da Besta Fubana, Recife, Pernambuco)
Fernando Antônio Gonçalves