SOLTOS E CONEXOS
1. Em tempos eleitorais como os atuais, desconfiar das posturas políticas enganosas e das ruidosas esculhambações sectárias dos sectários é um bom começo de consciência cidadã. E foi o Betinho, um sociólogo que não se esquecia do que escrevia, que disse certa feita para sacramentar toda postura política sadia: “Somos cidadãos de um mesmo mundo e num único tempo e país. É fundamental apoiar tudo o que nos leva à democracia e resistir por todos os meios a tudo o que nos impeça de chegar até lá pelo caminho da inteligência, do diálogo e da luta firme por construí-la com a participação ativa do conjunto da sociedade e formas mais conscientes e inovadoras de mobilização popular”.
2. Num pedaço de papel almaço, amareladamente bem conservado: “Todo xiita é um metido a síndico do mundo e odeia seus inquilinos”. E o pior xiita é aquele que se fantasia de amigo dos índios mas se apresenta com a pele vermelha para encabelar os incautos mentais.
3. Jean Paul Sartre, escritor francês morto em 1980, marido da Simone, bem que merecia voltar a proclamar alto e bom som: “Detesto as vítimas que respeitam seus carrascos”. Os que urraram, certa feita, chamando executivo nordestino de Pinochet e que depois ocuparam quietamente numerosos cargos comissionados daquele mesmo executivo, devem ter uma raiva danada desse tal de Sartre, que nunca deveria ter sido por aqui traduzido.
4. Para o Dr. Pierre Janet, psiquiatra francês falecido logo depois de terminada a Segunda Guerra: “Se o paciente é pobre, é internado num asilo como ‘psicótico’. Se pode pagar uma clínica, o diagnóstico é ‘neurastenia’. Se é rico o suficiente para tratar-se em casa, aos cuidados de médicos e enfermeiras, trata-se de um ‘excêntrico’”.
5. Para os sectários, de todos os matizes, que imaginam ver o circo pegar fogo, desde que construídas suas utopias, o pensar do Mahatma Gandhi é oportuníssimo: “Que diferença faz para os mortos, para os órfãos e para os despossuídos se aquela louca destruição se deu em nome do totalitarismo ou do santo nome da liberdade e da democracia?”
6. A opinião de Eugene Ionesco, notável teatrólogo, emerge com uma força descomunal: “Em nome da religião, constroem-se piras. Em nome das ideologias, pessoas são torturadas e mortas. Em nome da justiça, são injustiçadas. Em nome do amor a um país ou uma raça, outros países e raças são desprezados, discriminados ou massacrados. Em nome da igualdade e da fraternidade, praticam-se a perseguição e o ódio. Não há nada em comum entre os meios e os fins. Os meios vão muito mais longe que os fins. Na verdade, religião e ideologia são apenas álibis para esses meios”.
7. Sabedoria tibetana: “Nunca porfiar com quem não tem o que perder, só vivendo de ostentação, narcisicamente. É combater em desigualdade, posto que o outro já traz a vergonha perdida. Nunca se expor uma inestimável reputação, pois é sempre o mal, e não o bem, que a malevolência nota. Mais vale ter e saber conservar as pessoas que os haveres. Os feitos estão bem quando feitos; as alegrias nunca estão acabadas.”
8. “Tenha sempre fidelidade pelas suas opiniões, mas não as torne fixas diante de conhecimentos mais bem fundamentados. Nossas opiniões não passam de opiniões, jamais serão a verdade, posto que ninguém sabe o que é a verdade. Todas as pessoas que se imaginam donas da verdade se tornam inquisidoras, desconhecendo o que significa tolerância”.
9. “Quando numa comunidade sente-se a ausência de bibliotecas, explica-se rapidamente porque ela não pode alcançar graus civilizatórios compatíveis com o mundo contemporâneo. Com livros se edificam nações desenvolvidas, cérebros criativos e solidariedades sociais. Sem eles, embrutece-se a consciências e alimenta-se as violências mais constrangedoras, inclusive as dos políticos que não possibilitam a libertação do ser humano dos seus estágios mentais primitivos”.
10. Para os que entrarão breve de férias, é recomendável uns instantes de meditação, para retificar comportamentos e contemplar novos horizontes. Sempre atentando para o revelado pelo salmista – Por que temer, nos dias infelizes, a malícia dos espertalhões que me cercam, e os que contam com sua fortuna e se vangloriam da sua riqueza? (Salmo 49). E valendo muito redimensionar seus níveis de cidadania, evitando sutis envenenamentos consumistas, inoportunas desatualizações culturais e desastrosos esmorecimentos espirituais, que comprometem as três pilastras do viver: a dignidade, a integridade e a auto-realização.
11. Oportuno também, num minutinho entre papos e passeios, uma releitura sobre o que disse Albert Schweitzer, ao receber o Prêmio Mundial da Paz, em Oslo, 1952: “O homem tornou-se um super-homem…Mas super-homem com poderes sobre-humanos que não atingiu o nível de razão super-humana…. Impõe-se sacudir nossa consciência ao fato de que nos tornamos tanto mais desumanos quanto mais nos convertemos em super-homens”. Palavras complementadas pela constatação feita por Erich Fromm: “Somos uma sociedade de pessoas notoriamente infelizes: solitários, ansiosos, deprimidos, destrutivos, dependentes — pessoas que ficam alegres quando matamos o tempo que tão duramente tentamos poupar”. Dois pensares que poderão auxiliar muitos na descoberta de um novo Eu, mais humanizado, mais ecológico, mais entrosado nos novos cenários brasileiros socialmente dinâmicos, mais familial comunitariamente, a aldeia global sendo seu domicílio século XXI.
12. Passadas as apurações, que todos os segmentos partidários leiam atentamente Caminhos da Esquerda – Elementos para uma Reconstrução, Boris Fausto, SP, Companhia das Letras, 2017, 210 p. Na orelha primeira do livro, o explicativo por derradeiro: “Desde há mais ou menos um século, a esquerda foi acometida por certas patologias. Fenômenos como totalitarismo, adesismo ou populismo comprometeram e seguem comprometendo seus projetos políticos. Esse é o diagnóstico de fundo a mover a reflexão do filósofo Ruy Fausto em Caminhos da Esquerda.” Uma leitura imprescindível para eliminar jumentalidades estratégicas de todos os naipes..
(Publicada em 22.10.2018, no Jornal da Besta Fubana e no nosso site www.fernandogoncalves.pro.br
Fernando Antônio Gonçalves