SOBRE ISSOS E AQUILOS


Quando mães e pais, avós inclusos, se sentem desconfortáveis para orientar sexualmente crianças e adolescente, lembro-me sempre de uma historinha acontecida numa das áreas metropolitanas financeiramente taludas deste Brasilzão ainda preponderantemente atarantado diante das explicações necessárias sobre os “issos” e “aquilos” da criançada, muitas delas já “catedráticas” no assunto, diplomadas pelas ruas, pátios escolares, babás, festinhas, playgrounds e temporadas de praia. Peço licença para contar: numa casa de confortáveis cômodos, classe média alta, pai financista e mãe especializada em inseminação veterinária, dois filhos, um de oito e outra de seis, o almoço transcorria sem normalidades, quando o garoto dirigiu-se ao pai, indagando sobre como ele teria nascido. O pai, surpreendido e meio com a pergunta inesperada, explicou: – Uma tarde, filho, estávamos sua mãe e eu no jardim, quando uma cegonha depositou à nossa frente um pacotinho muito lindamente embrulhado. Quando nós o abrimos, eis que encontramos você, bem pequeninho.

O menino então perguntou: – E a minha irmãzinha, como ela nasceu? O pai pigarreou e disse: – Agora é com sua mãe. E a mãe, com a face da cor de um tomate, estremeceu, revirou os olhos para os céus e explicou ao garoto: – Trouxe do supermercado um repolho enorme. Em casa, coloquei-o debaixo da torneira da cozinha, para tirar as impurezas. Com o impacto da água, o repolho foi se abrindo e eis que surgiu sua irmãzinha, lindinha como até hoje ela é.

Quando tudo parecia plenamente satisfeito para todos, o garotinho fez uma última observação, detonando o ambiente: – Engraçado, aqui em casa ninguém transa ! Os pais até hoje, já fazem dois anos, estão num intenso tratamento terapêutico com uma especialista em desabestalhamento sexual de pais diante de crianças e adolescentes.

No final do ano passado, a editora de Cultura destinou aos pais e avós brasileiros um livro bastante esclarecedor sobre sexo, de autoria de Justin Richardson e Mark Schuster, o primeiro psiquiatra, o segundo pediatra, ambos graduados em Harvard. Com um título explicitamente pedagógico: Sobre Sexo – tudo o que você teme que seus filhos perguntem, mas precisa informar. Um guia dinâmico, bem humorado e sem tabus, para minorar angústias de pais e avós, ajudando-os no desenvolvimento saudável de crianças e adolescentes. Favorecendo uma mens sana in corpore sano, resposta dada pelo poeta romano Juvenal, lembrando aos que faziam tolas orações que deveriam encarecer uma boa saúde física e espiritual para si e os seus derredores. Num equilíbrio saudável, radicalmente indispensável, principalmente agora para os que estão se iniciando numa pós-modernidade que rejeita explicações obsoletas, sejam elas políticas, sociais, sexológicas e religiosas.

Um sem-número de pais e mães estão ainda estonteados, buscando orientações para as mais variadas situações. Como aquela pergunta feita por um pai de 45 anos, numa das últimas palestras acontecidas no Recife, reunião de pais e mestres: – Como educar minha filha para ter uma atitude saudável em relação ao sexo, mas evitar que ela faça sexo? Tão significativa quanto as anotadas num bloquinho por um terapeuta de nomeada, Fortaleza, Ceará: “Que procedimentos devo tomar quando descubro que o meu filho está baixando pornografia pela internet e a minha filha manifesta desejo de começar a tomar pílula?” e “Meu filho de dois anos está “montando” em nosso cachorro. O que é que eu faço?”

Os autores insistem: a educação sexual dos filhos seria bem mais fácil se a questão fosse apenas um simples repasse de fatos. Mas o que os filhos necessitam são de uma pessoa adulta com quem conversar, informações sobre fatos biológicos e um ambiente emocional estável onde possam desenvolver suas próprias sexualidades. Sem ânsias nem puritanismos, tampouco moralismos cavilosos, com naturalidade respondendo àquela pergunta do neto: – Vovô, quando você esfrega seu pingolim também é gostoso?

O livro do Richardson & Schuster foi estruturado para possibilitar a pais, mães e avós sobreviverem sem chiliquismos diante do desenvolvimento de crianças e adolescentes, deles filhos, sobrinhos e netos, levando na mais alta conta as últimas análises da antropologia, biologia, psicologia, epidemiologia, pediatria, psicanálise e sociologia. Sempre explicitando histórias de pais sobre filhos e vice-versa, mantidas confidenciais as identidades dos entrevistados.

Sexualidade sem problemas ninguém tem, nem terá. Mas diferenciar melhor inibição e prazer, responsabilidade e liberdade, espontaneidade e risco, poderá proprorcionar uma existência bem mais prazerosa, com muita “enxergância” até sobre o que atua por debaixo dos panos.

Nas três partes principais do livro – Natureza e educação sexual, Desenvolvimento sexual de seu filho, e Riscos (DST e Gravidez indesejada)– os autores orientam com propriedade os adultos para transmitirem na mais alta conta a capacidade de ter prazer com o sexo, a liberdade mental de fazer escolhas sobre amor e sexualidade, a estruturação de valores que guiam tais escolhas e ampliação de uma autoestima capaz de superar umbrais, proporcionando esperanças futuras cada vez mais naturalmente compartilhadas. Sem temores nem tremores.

(Publicada em 13/06/2011, no Portal da Revista ALGOMAIS, Recife – PE)
Fernando Antônio Gonçalves