SOBRE A MORTE E O MORRER


Permitam-me os leitores tratar de um assunto que ainda incomoda algumas pessoas, proporcionando uma série de questionamentos sobre o tema do título acima, sejam quais forem suas crenças na eternidade.

Nas áreas comunitárias, médicas e hospitalares, há uma crescente quantificação de profissionais e instituições religiosas que estão ampliando suas análises metodológicas sobre como relacionar-se com os pacientes que portam enfermidades irreversíveis. Alternativas as mais diferenciadas estão sendo postas em discussão em diversos encontros especializados, envolvendo equipes interdisciplinares, incluindo acadêmicos de medicina e demais áreas paramédicas.

Até bem pouco tempo atrás, o binômio morte/morrer era assunto integralmente descartado das capacitações proporcionadas aos profissionais ligados aos centros hospitalares e ambulatoriais, uma impotência analítica parecendo dominar mentes e corações, como se o tema não existisse desde os primordiais tempos históricos.

Tenho uma admiração bastante acentuada por uma médica suíça, naturalizada norte-americana, cuja vida profissional foi dedicada ao estudo dos relacionamentos pacientes-médicos-familiares em hospitais com internados acometidos de enfermidades irreversíveis. E que escreveu um livro, Sobre a Morte e o Morrer, que mereceu incontáveis aplausos e algumas rejeições nos quatro cantos do planeta, os elogios gigantescamente mais numerosos que as críticas, muitas destas efetivadas sob clima emocional debilitado ou fugidio ao extremo.

Após milhares de seminários efetivados pelos vários continentes, a Dra. Elizabeth Kübler-Ross (1926-2004), que inovou a medicina ocidental sobre a morte e o morrer, idealizando uma série de técnicas que proporcionassem um fim de vida mais ameno para pacientes, lançou um outro livro onde esclareceu questionamentos os mais diversos. Respostas que favoreceram conteúdos programáticos de uma futura especialidade denominada tanatologia: Perguntas e Respostas sobre a Morte e o Morrer, editado no Brasil pela Martins Fontes, em primeira edição, em 1979.

Relendo o livro após a morte de uma pessoa por mim muito amada, resolvi dele extrair algumas considerações para o JBF, favorecendo a ampliação da “enxergância” de muitos diante dos casos irreversíveis de enfermidade.

1. Toda pessoa acometida de um mal danado de brabo passa por várias etapas, antes de findar-se: a. negar o diagnóstico veementemente, continuando a viver tinindo e forte como sempre imaginou ser; b. procurar ansiosamente alguns médicos conhecidos, na esperança de ver o diagnóstico negativo rejeitado definitivamente; c. aceitando a realidade, revoltar-se, indagando para amigos e familiares “por que eu?”; d. principiar a chantagear, oferecendo às autoridades do Alto um bom comportamento de agora por diante, dedicando-se mais amiúde a ajudar os mais necessitados; e. tentar arrumar sua vida e a dos seus negócios; f. entrar numa fase depressiva, lamentando as perdas ocorridas; g. perder o interesse pelo mundo exterior; h. reduzir sua curiosidade por pessoas e fatos; g. desapegar-se gradativamente pela vida, alcançando o estágio final de aceitação.
2. Nenhum paciente deve ser informado de que está morrendo, privando-o de um lampejo de esperança, embora deva ser informado sobre a gravidade do seu estado;
3. Ensinar carinhosamente às crianças e jovens da família como encarar a realidade da morte;
4. Entender o que se deve e o que não se deve falar no quarto do paciente, posto que todos os pacientes em estado de coma são capazes de ouvir o que se está a dizer no seu derredor;
5. Diante de dores atrozes, jamais recusar a ministração de sedativos, sob orientação médica;
6. Estar sempre preparado para lidar com a Síndrome de Lázaro, quando o paciente moribundo, já enfrentando o ritual da morte, começa a se recuperar;
7. Respeitar o paciente que recusa submeter-se a um determinado tratamento;
8. Ideal seria que, tanto paciente como a família, pudessem atingir o estágio de aceitação antes do último suspiro do doente;
9. Trate com os pacientes idosos que sofrem de enrijecimento das artérias cerebrais (senilidade) como se tratasse de um recém-nascido: dê comida, conserve-os enxutos, aquecidos e confortáveis, pegando neles como exatamente se faria com um bebê.
10. É sempre melhor, ao agir, cometer um erro, do que não tentar agir de nenhum modo.

Para não me prolongar mais, sintetizo a seguir sobre dois pontos que abalam significativamente as estruturas familiares contemporâneas: o suicídio e a morte repentina.

Os pacientes que pensam em suicídio pertencem a algumas das quatro categorias abaixo:
a. Os que possuem grande necessidade de controlar tudo e a todos;
b. Os que são cruelmente informados de que portam uma doença maligna;
c. Os que se submetem a diálise ou estão à espera de transplante, que perdem repentinamente a esperança, vitimados por “suicídio passivo”; e
d. Os que são negligenciados, abandonados, isolados, recebendo tratamentos médicos, emocional ou espiritual, inadequados.

Quanto à morte súbita e inesperada de uma pessoa querida, é uma experiência trágica para uma sociedade como a nossa, que é “negadora da morte”. E quando é criança, adolescente ou adulto jovem, a ocorrência é mais dolorosa ainda. Que se faça a autópsia com todo cuidado, compreendendo as razões pelas quais muitas dessas famílias permanecem durante meses num estágio de não-aceitação, muitas delas ficando a necessitar de terapias profissionais especializadas.

No capítulo 12 do livro, a Dra. Kübler-Ross responde sobre humor, temor, fé e esperança. E sobre o relacionamento dela com seus pacientes moribundos, nos deixando uma lição inesquecível:

“Tenho a ousadia de envolver-me emocionalmente com eles, o que me poupa o trabalho de usar parte de minha energia para encobrir meus sentimentos”.

(Publicada em 31.10.2016, no site do Jornal A Besta Fubana e no www.fernandogoncalves.pro.br)
Fernando Antônio Gonçalves