SOBRE A IGREJA ANGLICANA


Todos sabem que sou um anglicano transreligioso. E dos múltiplos anglicanismos atuais nutro admiração profunda por duas inteligências século XXI, integralmente contemporâneas, distanciadas dos macaqueamentos dos hipócritas, purpurados ou não, que melindram uma juventude portadora de uma criticidade evolucional capaz de enfrentar todos os desafios.

Um deles é o bispo John Shelby Spong, autor de Um Novo Cristianismo Para Um Novo Mundo, Verus, 2006. O outro, eu o conheci no Recife, na Igreja Anglicana da Carneiro Vilela: o bispo Desmond Tutu, Prêmio Nobel da Paz. Que acaba de lançar o livro Deus Não É Cristão E Outras Provocações, editora Thomas Nelson Brasil, 2012. Segundo Bono Vox, vocalista da banda U2, “Desmond Tutu é a melhor propaganda do cristianismo que caminha nesta terra”. A leitura dos dois livros retempera ânimos, alavanca esperanças e semeia novas posturas, sempre sob a batuta do Homão da Galileia, irmão nosso libertador.

Há várias “igrejas anglicanas”, segundo o bispo José Moreno, que apresentou recentemente algumas ponderações, via e-mail, para o mundo brasileiro. Ei-las, para os que apreciam aprimorar-se num dos ramos do cristianismo:

1. Há quem pense que “Igreja Anglicana” é uma denominação única. Isso não é verdade. Há dezenas de denominações anglicanas (http://www.anglicansonline.org/communion/nic.html). A Comunhão Anglicana não é uma denominação, mas, como o nome diz, uma comunhão. Há igrejas anglicanas (a maioria) que fazem parte dessa comunhão e outras que não fazem parte. Algumas delas estão ligadas ao movimento “continuante” e outras ao movimento “confessante”.

2. Há quem pense que a igreja anglicana foi fundada pelo rei Henrique VIII, da Inglaterra, em 1534. Isso não é verdade. A igreja estava presente na Inglaterra desde os primórdios do cristianismo e florescia entre os povos celtas que ali haviam se estabelecido. No século VII (664 d.C.), no Sínodo de Whitby, a Igreja da Inglaterra subordinou-se ao papa e passou a ser a Igreja Romana na Inglaterra, situação que perdurou até Henrique VIII.

3. Há quem pense que a igreja anglicana tornou-se “protestante” sob Henrique VIII. Isso não é verdade. Esse rei, que tinha o título de “Defensor da Fé”, outorgado pelo papa, apenas assumiu o governo da igreja; a fé e a prática religiosa continuaram as mesmas. Somente quando sua filha, Elizabeth I, assumiu o trono é que a igreja anglicana, de fato, assumiu a teologia protestante, mantendo, porém, a liturgia histórica, tradicional, consubstanciada no LOC – Livro de Oração Comum, cuja primeira edição data do Domingo de Pentecostes de 1549, sob os auspícios do rei Eduardo VI, também protestante, e do arcebispo de Cantuária (Canterbury), Thomas Cranmer. Elizabeth instituiu a Via media, imaginando que a Igreja da Inglaterra poderia servir de ponte entre Roma e Genebra, ou seja, entre o catolicismo romano e o protestantismo.

4. Há quem pense que a igreja anglicana é uma igreja católica (no sentido de “romana”). Isso não é verdade. Católica é toda igreja que está de acordo com o que é crido e praticado por todas as igrejas em todos os lugares e em todos os tempos. Quanto a este aspecto, a igreja anglicana é católica, pois não adota heresias em suas declarações de fé. Mas não é “romana”, não está sujeita ao papa, nem adota seus particulares dogmas e práticas: a transubstanciação dos elementos da eucaristia, celibato obrigatório dos padres, o sacrifício da missa (a missa anglicana é um culto), purgatório, infalibilidade do papa, obras meritórias para a salvação da alma, entre outros.

5. Há quem pense que as ordens anglicanas não são válidas, em virtude da bula Apostolicae Curae, de Leão XIII, que, em 1896, declarava: “as ordenações feitas segundo o rito anglicano são totalmente inválidas e inteiramente vãs”. Isso não é verdade. O papa só tem autoridade para reconhecer ou deixar de reconhecer atos e sacramentos de sua igreja, quer dizer, a romana. O que ocorre no âmbito do anglicanismo não é da competência nem da jurisdição do bispo de Roma. Houve quem não reconhecesse a validade do apostolado de Paulo. Sua resposta foi que seu apostolado tinha um selo: aqueles que o reconheciam (1 Co 9.2-3).

6. Há quem pense que todos os anglicanos são fissurados pela “sucessão apóstólica”. Isso não é verdade. Há anglicanos evangelicais que não dão a mínima para a sucessão apostólica. Eles entendem que essas listas de bispos desde os apóstolos são ficção (algumas delas são reconhecidamente forjadas) e que não há como comprovar documentalmente a veracidade de nenhuma delas.

7. Há quem pense que todos os anglicanos são a favor da prática homossexual. Isso não é verdade. A maioria dos anglicanos é contra essa prática.

8. Há quem pense que todas as igrejas anglicanas ordenam homossexuais ao ministério. Isso não é verdade. A maioria dos anglicanos é contra essa prática.

9. Há quem pense que todos os anglicanos são contra a ordenação feminina ao ministério. Isso não é verdade. Há igrejas que ordenam diaconisas; outras que ordenam diaconisas e presbíteras; e outras que também ordenam episcopisas (bispas).

10. Há quem pense todos os anglicanos são a favor da prática do aborto. Isso não é verdade. A maioria dos anglicanos é contra essa prática.

11. Há quem pense que todos os anglicanos são a favor das relações extraconjugais quando os cônjuges concordam entre si com elas. Isso não é verdade.A maioria dos anglicanos é contra essa prática.

12. Há quem pense que todos os anglicanos são contra o uso das vestes clericais, inclusive a mitra e o báculo pelos bispos. Isso não é verdade. A maioria das igrejas anglicanas adota as vestes clericais e seus bispos usam livremente a mitra, o báculo e outros adereços, como a cruz peitoral, o anel episcopal, estolas com as cores litúrgicas. Nas missas também pode haver velas, incenso, procissões, vênias.

13. Há quem pense que todas as igrejas anglicanas são anglo-católicas, ou seja, têm práticas devocionais semelhantes à igreja romana, especialmente a veneração de Maria e a oração “Ave Maria”. Isso não é verdade. No anglicanismo, há os anglo-católicos, os evangelicais, os reformados, os carismáticos; há calvinistas, arminianos, liberais, tradicionalistas e fundamentalistas. Muitos evangélicos não entendem como os anglicanos conseguem conviver (nem sempre) pacificamente com essas práticas e crenças conflitantes. Esse é o fenômeno da inclusividade, tolerância que é reflexo da Via media de Elizabeth I.

Espero que o bispo José Moreno tenha oferecido os esclarecimentos básicos necessários para entender o Anglicanismo dos tempos atuais, multifacetário, embora semptre tendo como missão primeira a proclamação da mensagem do Homão da Galileia, um judeu muito arretado, que não descriminava ninguém, apenas se enfurecendo diante dos sepulcros caiados, até hoje uma classe encontrada em todos os segmentos sociais, inclusive anglicanos.

(Publicada em 17.09.2012 no Jornal da Besta Fubana, Recife, Pernambuco)
Fernando Antônio Gonçalves