SEMENTES DE GUERRA
Quem se mostrar interessado em conhecer mais as causas visíveis da Segunda Guerra Mundial, uma vasta literatura pode ser consultada. Entretanto, flagrantes “sementeiros” do conflito são apresentados num livro que me foi enviado por um paulista que admiro, Mário Vieira Lopes, avô da Moniquinha Vieira Lopes, uma colega docente nunca por mim esquecida. Trata-se de Fumaça Humana: o início da Segunda Guerra, o fim da civilização, de Nicholson Baker, SP, Companhia das Letras, 460 p. Um conjunto de informações coletadas na imprensa, desde o fim da Primeira Guerra Mundial até o último dia de 1941, revisando mitos e desconstruindo verdades fabricadas pela ideologia dos vencedores, retratando fatos assassinos e também eventos patéticos das lideranças nazistas. E recuperando manifestações que disseminaram antissemitismo na Europa e nos Estados Unidos, dando vazão aos delírios imperiais de Adolf Hitler.
Através de pequenas vinhetas independentes, contendo citações de milhares de documentos pesquisados, Baker desnuda fatos incômodos e perturbadores, muitos deles pouco divulgados, como o antissemitismo declarado de Eleanor Roosevelt quando mocinha e as recusas continuadas de Winston Churchill em possibilitar a doação de alimentos para os guetos esfomeados da Europa do Leste. Restando ao leitor cidadanizado e sem frescurites ideológicas montar um quebra-cabeça que elucidará fatos e feitos muito pouco divulgados até os dias atuais.
Da leitura rabiscada, ressalto alguns eventos desconhecido da juventude contemporânea:
1. Historieta contada pelo escritor Milton Mayer: “Num bonde, um judeu está lendo o Völkischer Beobachter, o principal jornal nazista. Questionado por outro judeu, respondeu: – Eu passo o dia trabalhando numa fábrica, minha mulher briga comigo, meus filhos estão doentes e falta dinheiro para comida. O que você queria que eu fizesse no caminho de volta para casa? Que lesse um jornal judeu? ‘Pogrom na Romênia’, ‘Judeus assassinados na Polônia’, ‘Novas leis contra os judeus’. E concluiu sua argumentação: – Meia hora por dia no bonde, eu leio o Beobachter: ‘Os judeus são capitalistas mundiais’, ‘Os judeus controlam a Rússia’, ‘Os judeus dominam a Inglaterra’. E arrematou: – É de mim que eles falam. Meia hora por dia, eu sou alguém. Deixe-me em paz, amigo.
2. Etty Hillesum, uma judia residente em Amsterdam, perguntou ao seu professor Willem Bonger se deveria fugir. Ele respondeu: – Os jovens têm obrigação de ficar. Ela perguntou se a democracia tinha chance de vencer. Resposta: – Vai vencer, mas nos custará muitas gerações. Mostrando-se frágil e indefeso, Bonger se despediu. Naquela noite, ele se suicidou com um tiro.
3. O padre Bernhard Lichtenberg, deão da Catedral de Saint Edviges, Berlim, foi preso pela Gestapo, em outubro de 1941, porque promovia orações pelos judeus. Depois de dois anos de sevícia e humilhações, morreu a caminho de Dachau.
Grandezas em tempos de cólera.
(Publicado em 30.05.2015, no Jornal do Commercio, Recife, Pernambuco)
Fernando Antônio Gonçalves