SEMEADOR DE UTOPIAS


Com as urnas já nos depósitos e a esperança num futuro menos excludente estampada nas fisionomias dos brasileiros de todos os credos religiosos e matizes partidários, a edificação do amanhã nacional é tarefa de todos. Mais que nunca, um escrito de alguns anos necessita ser atentamente relido: a construção de uma sociedade moderna, justa e democrática, vem se tornando a maior aspiração de milhões de brasileiros. Empresários, trabalhadores, civis, militares e religiosos estão a reconhecer que os atuais mecanismos de desenvolvimento econômico não conseguiram vencer as armadilhas da miséria. O momento que estamos vivendo não permite apenas contemplações. Os mais responsáveis estão incentivando a ampliação da participação de todos. Faz-se necessário tal ampliar para que mudanças aconteçam, eliminando-se os sectarismos inconseqüentes e as marginalizações espúrias, obtendo-se um enxergar melhor, rejeitadas as ingenuidades de todos os naipes.
Reverencio Herbert de Souza, o Betinho, um semeador de utopias, um humaníssimo louco-manso, que buscou, mais do que apenas ser o irmão do Henfil, disseminar a idéia de que podemos fazer o Brasil um pouquinho melhor a cada amanhecer. Seu pensar agiganta-se nos tempos desafiadores de agora, quando um novo período governamental tornará diferenciadas as relações entre Movimentos Sociais e Governo Federal, os primeiros a continuarem exercendo sua capacidade crítica, a serviço de um novo projeto para o Brasil.
O próprio Betinho, cada vez mais engrandecido perante a consciência nacional, certo dia fez um alerta aos movimentos populares diante das armadilhas da governabilidade: O movimento popular não pode ser cego. Não pode aceitar provocações. Não pode ser ingênuo a ponto de pensar que nos movimentos de massa, abertos e sem controle, não existam provocadores infiltrados para pôr a perder com um único ato tudo o que milhares de outros construíram com toda uma vida de luta e de trabalho. O movimento popular não pode achar que o melhor caminho é o sem alternativa e retorno. Que a única solução para os conflitos é o confronto e que a melhor forma de chegar à democracia é cruzar na frente dos tanques. Que a melhor forma de fazer heróis é praticar o suicídio. Não pode também achar que uma pessoa com razão tem o direito de fazer tudo o que lhe der na cabeça e, depois, cobrar solidariedade e apoio de todos os demais. Nem pode achar que o título de esquerda confere legitimidade a todas as propostas ou que todos os militantes do movimento popular acordam e dormem com a verdade debaixo do braço.
A lembrança do Herbert de Souza, esse notável semeador de utopias, certamente estará presente na caminhada do Presidente Lula, a partir de janeiro próximo. Além de ter sido um dos criadores do Ibase – Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas -, essa usina de ideías e cidadania, Betinho foi um desassombrado conspirador do bem, expressão feliz utilizada por Frei Betto, para quem “Betinho hoje vive em mim como paradigma de cidadania”.
Para os que temeram os novos tempos brasileiros, de mais cidadania e dignidade social, uma opinião do Betinho pode muito servir de balizamento daqui pra diante: Pai muito especial foi frei Mateus Rocha, que em 1956 me ensinou que Deus não nos deu o espírito do temor, mas da audácia.
O livro Estreitos Nós, editora Garamond, bem poderia ser “um manual de melhor conhecer Betinho”. E traz uma ótima historinha: em 1962, no apartamento do Frei Betto, nas Laranjeiras, Betinho surpreende o Hélio Mororó, da JEC do Recife, utilizando sua escova de dentes. A justificativa do Mororó veio imediata: – Não tenho preconceito algum. A reação do Betinho foi de bate-pronto: – Você não tem, mas eu tenho!!”
As eleições presidenciais de 2002, as primeiras do novo século, muito devem a Herbert de Souza, um dos maiores semeadores de utopia da História do Brasil. Boa sorte, presidente Lula.