SAGA DE MUITA FÉ


Recebendo visita da professora Maria da Paz, talentosa pesquisadora do Lika da UFPE, dela ganhei livro de título atraente: O Segredo do Oratório, editora Record, da jornalista Luize Valente, autora consagrada de textos para TV, também autora de Caminhos da Memória – a trajetória dos judeus em Portugal, 2002, e A estrela oculta do sertão, 2005.

O livro, romance, tem um sumário sedutor: “Milhares de judeus que foram forçados a conversão em Portugal, por decreto real, no fim do século XV, passaram a ser chamados de cristãos-novos. Em seguida veio a Inquisição. Muitos conversos fugiram para o Brasil. Alguns se embrenharam pelo Sertão. No breve período de domínio holandês no Nordeste, puderam retornar ao judaísmo. Fundaram em Recife a primeira sinagoga das Américas. Com a expulsão dos batavos, no século XVII, um pequeno grupo deixou Pernambuco. Após uma conturbada viagem chegaram à Ilha de Manhattan, onde estabeleceram a primeira comunidade judaica de Nova York.”

Através da incansável investigação das heroínas Ioná e Ana, o romance ressalta as descobertas das raízes judaicas de uma família nordestina, os Mendes de Brito, descobrindo sua matriz, uma judia portuguesa que deslocou-se de Amsterdã para o Brasil, livrando-se de uma Inquisição chamada até hoje de santa por alguns cretinos tridentinos de decrépita densidade analítica.

Nas pesquisas, Luize Valente retrata costumes judaicos persistentes no interior nordestino por trás de fachadas cristãs protetoras das perseguições, entre eles enterrar os mortos envolvidos em mortalha, acender velas com mel, rezar para a lua cheia, varrer a casa de fora para dentro e não jogar lixo pela porta da frente. A autora narra como orações e hábitos alimentares de famílias inteiras eram mantidas por cristãos, que ignoravam ser costumes judaicos. Segundo ela, O Segredo do Oratório, “é uma homenagem aos que foram, aos que ficaram e aos seus descendentes”, atualmente de sobrenomes Pinto, Oliveira, Pereira, Coelho, etc. Um retrato do Brasil que deveria ser lido por todos que desejassem melhor conhecer suas raízes.

No livro, referências elogiosas ao bar do Petrônio, onde se aprecia ensopado de caranguejo ao molho de coco, à Oficina do Sabor, Olinda, local predileto para os amantes de comidas mais exóticas. Além de outras localidades, onde se podea saborear uma lagosta fresca, um ensopado de marisco, uma picanha de bode, galinha de capoeira e macaxeira com manteiga de garrafa. Além das visitas obrigatórias ao castelo de Brennand, a Porto de Galinha, passando pela Praia dos Carneiros, onde se saboreia a melhor moqueca de Pernambuco.

O que mais seduz, no romance, é saber como, no centro histórico do Recife, na rua do Bom Jesus, há mais de trezentos anos, havia sido erguida a primeira sinagoga das Américas, a Kahal Zur Israel, na rua do Bom Jesus, local do micvê – banho de purificação – comprovado por rabinos de São Paulo e Buenos Aires. Depois vem a história de sertões de muitos segredos. Quando acontece …. Bem, quem desejar saber mais sobre peyots, teshuvá, jejuns, beshert, mezuzás, shin, Torá, ketubá e anussim, leia o livro, de estilo sedutor, conhecendo vivências de uma época nunca finda, repleta de coisas dos antigos.
PS. Para os Gorenstein e os Parnes, famílias minhas irmãs, LeShaná HaBa’ á B’Yerushalaim!

(Publicado no Jornal do Commercio, Recife, Pernambuco, 17.05.2013)
Fernando Antônio Gonçalves