SABERES ALÉM DA ESPECIALIDADE


De engenheira recebo bilhete atencioso. Que ampliou a admiração sentida: “Depois que comecei a fazer um curso livre de Filosofia na Casa do Saber, São Paulo, meus horizontes se ampliaram, meus relacionamentos se aprimoraram e até a minha vida conjugal com o Antunes está toda azul. Nem parece aquela situação de antes, quando era apenas especialista em tecnologia agrícola, num mundinho rodeado de planilhas e custos. Continuo exercendo minha especialidade, embora tornando-me mais antenada às coisas do mundo e do derredor. Até os quatro filhos, uma nora e um genro sentiram a diferença, os dois netos ainda não integrados porque muito pequenos ainda”.

E acrescenta: “Sabe quem me proporcionou tal mudança? Foi uma prima do meu marido, que me presenteou com o poema Quase, de Sarah Westphal. Por favor, encontre-o e utilize-o numa das suas crônicas, possibilitando a reabilitação daquelas pessoas que ganham bem, são profissionais competentes, mas que não usufruem gostoso viver”.

Telefonei para o psicólogo Ferdinand Sardin, em Brasília, onde exerce suas atividades profissionais orientando os que ainda não adquiriram cidadania libertadora. Aquela mesma que saberá defenestrar, em 2010, quem iludiu eleitores com promessas vazias, comportando-se patifamente no Congresso e nas Assembleias Legislativas. Foi ele quem gentilmente me enviou o poema da Westphal, que transcrevo com a esperança de ver os leitores JC abarcarem novos conhecimentos, tal e qual aquele jurista pernambucano, de quem sou admirador de carteirinha e que se chama Zépaulinho Cavalcanti Filho, que toca piano como gente grande e está concluindo um ensaio sobre o poeta lusitano Fernando Pessoa, edição que tornará Pernambuco ainda mais culturalmente denso no cenário brasileiro.

O poema Quase provocará uma desalienação nos desatentos que necessitam ser possuidores de conhecimentos multifacetários, que proporcionem conversações mais sedutoras. Ei-lo:
“Ainda pior que a convicção do não é a incerteza do talvez, é a desilusão de um quase. É o quase que me incomoda, que me entristece, que me mata trazendo tudo que poderia ter sido e não foi.
Quem quase ganhou ainda joga, quem quase passou ainda estuda,quem quase morreu está vivo, quem quase amou não amou.

Basta pensar nas oportunidades que escaparam pelos dedos, nas chances que se perdem por medo, nas idéias que nunca sairão do papel por essa maldita mania de viver no outono.

Pergunto-me, às vezes, o que nos leva a escolher uma vida morna; ou melhor não me pergunto, contesto. A resposta eu sei de cor, está estampada na distância e frieza dos sorrisos, na frouxidão dos abraços, na indiferença dos “Bom dia”, quase que sussurrados.
A paixão queima, o amor enlouquece, o desejo trai. Talvez esses fossem bons motivos para decidir entre a alegria e a dor, sentir o nada, mas não são.

Se a virtude estivesse mesmo no meio termo, o mar não teria ondas, os dias seriam nublados e o arco-íris em tons de cinza.

O nada não ilumina, não inspira, não aflige nem acalma, apenas amplia o vazio que cada um traz dentro de si.

Não é que fé mova montanhas, nem que todas as estrelas estejam ao alcance, para as coisas que não podem ser mudadas resta-nos somente paciência porém, preferir a derrota prévia à dúvida da vitória é desperdiçar a oportunidade de merecer.

Pros erros há perdão; pros fracassos, chance; pros amores impossíveis, tempo.

De nada adianta cercar um coração vazio ou economizar alma.
Um romance cujo fim é instantâneo ou indolor não é romance.

Não deixe que a saudade sufoque, que a rotina acomode, que o medo impeça de tentar.

Desconfie do destino e acredite em você.

Gaste mais horas realizando que sonhando, fazendo que planejando, vivendo que esperando, porque, embora quem quase morre esteja vivo, quem quase vive já morreu”.

Um poema para guardar e de vez em quando reler. Sempre se embasando na lição de Heraclitus: “A única coisa permanente é a mudança”.

(Jornal do Commercio, Recife, PE, 21.04.2010)
Fernando Antônio Gonçalves