SABER VIVER


Recebi de uma amiga querida, também companheira de trabalho, a resposta que a poeta Cora Coralina deu a uma repórter que lhe tinha perguntado sobre o que é viver bem. Vale a pena reproduzi-la na íntegra:

“Eu não tenho medo dos anos e não penso em velhice. E digo pra você, não pense. Nunca diga estou envelhecendo, estou ficando velha. Eu não digo. Eu não digo que estou velha, e não digo que estou ouvindo pouco. É claro que quando preciso de ajuda, eu digo que preciso. Procuro sempre ler e estar atualizada com os fatos e isso me ajuda a vencer as dificuldades da vida. O melhor roteiro é ler e praticar o que lê. O bom é produzir sempre e não dormir de dia. Também não diga pra você que está ficando esquecida, porque assim você fica mais. Nunca digo que estou doente, digo sempre: estou ótima. Eu não digo nunca que estou cansada. Nada de palavra negativa. Quanto mais você diz estar ficando cansada e esquecida, mais esquecida fica. Você vai se convencendo daquilo e convence os outros. Então silêncio! Sei que tenho muitos anos. Sei que venho do século passado, e que trago comigo todas as idades, mas não sei se sou velha, não. Você acha que eu sou? Posso dizer que eu sou a terra e nada mais quero ser. Filha dessa abençoada terra de Goiás. Convoco os velhos como eu, ou mais velhos que eu, para exercerem seus direitos. Sei que alguém vai ter que me
enterrar, mas eu não vou fazer isso comigo. Tenho consciência de ser autêntica e procuro superar todos os dias minha própria personalidade, despedaçando dentro de mim tudo que é velho e morto, pois lutar é a palavra vibrante que levanta os fracos e determina os fortes. O importante é semear, produzir milhões de sorrisos de solidariedade e amizade. Procuro semear otimismo e plantar sementes de paz e justiça. Digo o que penso, com esperança. Penso no que faço, com fé. Faço o que devo fazer, com amor. Eu me esforço para ser cada dia melhor, pois bondade também se aprende. Mesmo quando tudo parece desabar, cabe a mim decidir entre rir ou chorar, ir ou ficar, desistir ou lutar; porque descobri, no caminho incerto da vida, que o mais importante é o decidir.”

Como viver?, eis uma indagação que pode receber um sem-número de respostas . Mas houve um alguém que escreveu 107 ensaios, até hoje lidos e relidos, durante vinte anos, 1572-1592, intitulado Os Ensaios. Seu nome completo é Michel Eyquem de Montaigne (1533-1592), mais conhecido por Michel de Montaigne, considerado hoje o inventor do ensaio pessoal. Nos seus Ensaios, ele analisou instituições, opiniões e costumes, debruçando-se sobre os dogmas da sua época e tomando como base dos seus estudos a generalidade da humanidade. Para tanto, aos 34 anos retirou-se para um castelo, para dedicar-se aos estudos e à reflexão. Segundo Sarah Bakewell, autora de Como Viver ou Uma biografia de Montaigne em uma pergunra e vinte tentativas de resposta, Objetiva, 2012, “os ensaios não foi escrito numa ordem clara, do início ao fim. Cresceu por lenta incrustação, como um recife de corais”. Uma biografia esplêndida, talvez um excelente começo para quem deseja iniciar seus conhecimentos sobre o homem e seus escritos. Sem perder de vista a recmendação de Gustave Flaubert: “Não o leia como as crianças, por divertimento, nem como os ambiciosos, para se instruir. Não, leia-o para viver”.

Segundo especialistas, “Montaigne não tem um sistema. Não é um moralista nem um doutrinador. Mas não sendo moralista, não tendo um sistema de conduta, uma moral com princípios rígidos, é um pensador ético. Procura indagar o que está certo ou errado na conduta humana. Propõe-se mais estudar pelos seus ensaios certos assuntos do que dar respostas. No fundo, Montaigne está naquele grupo de pensadores que estão a perguntar em vez de responder e é na sua incerteza em dar respostas que surge um certo ceticismo em Montaigne. Como não está interessado em dar respostas apriorísticas tem uma certa reserva em relação a misticismos e crenças.”

Nos seus Ensaios, Montaige introduziu um modo de fazer o pensamento melhor abordar o real, abandonando-se as verdades absolutas, sendo possível aproximar-se delas por sucessivas aproximações. Vale a pena iniciar Montaigne pela texto da Sarah Bakewell, gerador de múltiplos encantamentos.

(Publicada em 21/05/2012, no Portal da Revista ALGOMAIS, Recife – PE)
Fernando Antônio Gonçalves