ROMPENDO PESSIMISMOS
Em todos os recantos do planeta, neste ainda angustiante princípio de século XXI, busca-se um novo olhar sobre a humanidade. Sob denominação de “espiritualidade laica”, um dos principais defensores do humanismo secular, ex-ministro da Educação da França de 2002 a 2004, o filósofo Luc Ferry escreveu A Revolução do Amor: por uma espiritualidade laica, Objetiva, 2012, analisando o nascimento de uma nova transcendência, a partir da sacralização do ser humano por meio do amor. Segundo ele, “hoje, no Ocidente ninguém arrisca a própria vida para defender um deus, uma pátria ou um ideal de revolução. Mas vale a pena se arriscar para defender aqueles que amamos. Vivemos a revolução, e essa é melhor notícia do milênio”.
O livro é composto de uma Introdução e três partes – Theoria, Moral e Espiritualidade. Na Introdução, Ferry aponta os três traços característicos do tempo presente: a desconstrução dos valores tradicionais; a desapropriação democrática e a impotência pública crescente diante dos avanços da globalização e a emergência de uma impossível “governança mundial”; “o amor do amor”, novas formas de vida amorosa, o que todos estão buscando mais que tudo.
Na Theoria, o autor aponta a filosofia da globalização; na Ética, uma breve história das cinco visões morais do mundo que dominaram o pensamento e a vida ocidentais; na Espiritualidade, as consequências espirituais do segundo humanismo, o surgimento do sagrado com face humana e suas sequelas na vida do espírito: política, arte e filosofia.
Na Moral, Ferry analisa as implicações éticas dos dois maiores fenômenos, amplamente correlacionados do século XX: a desconstrução das tradições e a emergência da família moderna, quando um novo humanismo ressurge, ainda conservando parte dos antigos paradigmas. Ele analisa as cinco visões morais do mundo: a concepção aristocrática da ética, a fundação religiosa da moral ou o “teológico-ético”, a ética republicana das Luzes, a ética da autenticidade numa época de desconstrução e os novos valores do século XXI. E alerta: “As miragens do consumo infinito nos levam a privilegiar o Ter em detrimento do Ser, as posses em prejuízo da sabedoria interior”. E vai mais além, sem qualquer temor: “O consumo frenético possui a mesma estrutura do vício. Assim, como o drogado, depois de certo limite de dependência, deve aumentar constantemente o uso e aproximar as doses, aquele que persegue a glória, a riqueza e as honrarias passa de sucesso em sucesso sem jamais ter descanso.”
Um livro que deveria servir de reflexões diárias, lido em doses homeopáticas, riscado, rabiscado, relido e quase memorizado. Nunca se olvidando da fórmula deixada por Spinoza: “A filosofia é meditação da vida e não da morte”. Somente uma nova paixão política nos fará emergir como Nação soberana: a da preocupação com as gerações futuras, fortalecendo o Ser antes do apenas Ter.
(Publicado em 02.05.2015, no Jornal do Commercio, Recife, Pernambuco)
Fernando Antônio Gonçalves