REVOLUCIONÁRIO NONAGENÁRIO
Em julho passado, um pensador preocupado com a educação do futuro completou 91 anos de idade. Por solicitação da UNESCO, em 1999 ele sistematizou um conjunto de reflexões para que se tornasse ponto de partida para um amplo repensar educacional deste século. No Brasil, a UNESCO, em parceria com a Cortez Editora, editou Os Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro, um pequeno extraordinário livro, submetido preliminarmente a personalidades universitárias do Leste e do Oeste, que analisaram os saberes de uma educação verdadeiramente integral, libertadora como sonhava o pernambucano Paulo Freire: As cegueiras do conhecimento: o erro e a ilusão; Os princípios do conhecimento pertinente; Ensinar a condição humana; Ensinar a identidade terrena; Enfrentar as incertezas; Ensinar a compreensão; A ética do gênero humano.
Denominado de “o Diderot do século XX”, Morin continua pensando naqueles ideários para os jovens fiéis aos princípios humanísticos de um socialismo essencialmente democrático, consistentemente solidário.
Os saberes de Edgar Marin deveriam ser perseguidos por todos os seres humanos que ainda acreditam num amanhã planetário diferenciado do contemporâneo, quando uma “pobreza maciça e a desigualdade obscena são flagelos tão terríveis dos nossos tempos – nos quais o mundo se gaba de avanços sem precedentes nos campos da ciência, da tecnologia, da indústria e da acumulação de riquezas – que elas devem ser vistas como males sociais tão graves quanto a escravidão e o apartheid”, segundo alerta proferido por Nelson Mandela, em Londres, 2005.
Binoculizando amanhãs, Morin não renuncia ao seu famoso “pensamento complexo”, que ele teoriza há 40 anos, a sua marca de fábrica, exposta nos seis volumes de O Método, editados no Brasil pela editora gaúcha Sulina. Com a intenção de unir os opostos e abraçar saberes diversos, um trabalho enciclopédico, escrito entre 1967 e 2006.
Notavelmente lúcido, Edgar Morin é um ser humano que acredita: “Se eu fosse guiado só pela luz da razão, diria que o mundo vai rumo à catástrofe, que estamos à beira do abismo. Todos os elementos que temos sob os olhos nos prospectam cenários apocalípticos. Mas, na história da humanidade, existe o imprevisto, aquele fato inesperado que muda o curso das coisas. Eis porque, no fundo, sou otimista”.
Nos depoimentos prestados à jornalista Djénane Kareh Tager, publicado pela editora Bertrand Brasil sob título Meu Caminho, Morin explica porque é um pensador poliédrico, culturalmente onívoro (devorador de tudo), jamais desejando o lugar dos jovens comuns e consumistas dos tempos atuais. Ao comemorar 90 anos, divulgou um texto sobre a Esperança, reconhecendo que Karl Marx “foi um formidável profeta da globalização capitalista, mas não viu que o homo faber, o homem produtor, era também o homo economicus, e que o homo sapiens era também o homo demens, a loucura humana que se manifesta em toda a história da humanidade”. Para ele torna-se necessária, inadiável mesmo, a emersão de uma globalização diferenciada da atual, onde não se aceite os métodos utilizados pelo modelo capitalista sem discutir as salvaguardas integrais dos direitos humanos, num pensamento de esquerda radicalmente diferenciado do visto até agora, nele sobrepairando o binômio solidariedade-responsabilidade.
O último dos sete saberes, não o menos importante, Morin classifica-o de antropo-ético, “cabendo ao ser humano desenvolver, ao mesmo tempo, a ética e a autonomia pessoal (as nossas responsabilidades pessoais), além de desenvolver a participação social (as responsabilidades sociais), ou seja, a nossa participação no gênero humano, pois compartilhamos um destino comum”. Nele, Morin pondera: “a antropo-ética tem um lado social que não tem sentido se não for na democracia, porque a democracia permite uma relação indivíduo-sociedade e nela o cidadão deve se sentir solidário e responsável. A democracia permite aos cidadãos exercerem suas responsabilidades através do voto. Somente assim é possível fazer com que o poder circule, de forma que aquele que foi uma vez controlado, terá a chance de controlar. Porque a democracia é, por princípio, um exercício de controle. Não existe, evidentemente, democracia absoluta. Ela é sempre incompleta. Mas sabemos que vivemos em uma época de regressão democrática, pois o poder tecnológico agrava cada vez mais os problemas econômicos”.
Um talento, Edgar Morin, que soube edificar uma obra por meio de sua diversidade, construindo um caminhar a partir das vicissitudes experimentadas ao longo da sua própria existência. E que muito bem assimilou a lição deixada por Charles Darwin: “Não é a mais forte espécie que sobrevive, nem a mais inteligente, mas aquela que melhor responde às mudanças”.
PS. Parabéns aos alunos da Educação Básica de Quixaba, que sem pantins nem tablets, nem outras milongas e engambelações, brilharam no IDEB – Índice de Desenvolvimento da Educação Básica do MEC! Orgulho pernambucano!!
(Publicada em 27/08/2012, no Portal da Revista ALGOMAIS, Recife – PE)
Fernando Antônio Gonçalves