RESSURREIÇÕES ANALÍTICAS
O testemunho é do economista Jacques Attali, assessor do ex-presidente François Miterrand (1981-1990), antes de fundar e presidir o BERD – Banco de Reconstrução e Desenvolvimento da Europa do Leste: “Nenhum autor teve mais leitores, nenhum revolucionário suscitou mais esperanças, nenhum ideólogo mereceu mais exegeses, e, à parte alguns fundadores de religião, nenhum homem exerceu no mundo uma influência comparável à que Karl Marx teve no século XX”.
Mas na mesma Introdução do seu livro Karl Marx ou o Espírito do Mundo, editado no Brasil pela Record, ele ressalta que “pouco antes do alvorecer do século seguinte, no qual nos encontramos, suas teorias sob concepção de mundo foram universalmente rejeitadas; a prática política construída em torno de seu nome foi jogada no lixo da História. Hoje, quase ninguém o estuda, e é de bom-tom sustentar que ele se enganou ao julgar o capitalismo moribundo e o socialismo ao alcance da mão”. Teve até um precipitado analista, Francis Fukuyama, que propagou o fim da história, certamente uma conclusão puxasaquística, típica daqueles que buscam usufruir cinco minutos de fama internacional, agradando lideranças respaldadas num neoliberalismo mais histriônico que historicamente embasado.
Na crise do capitalismo 2007-2009, as análises de Marx voltaram a ser destacadas, o New York Times rssaltando Marx como aquele analista que “reconheceu o poder inelutável de criar riquezas que o capitalismo tem, previndo que ele dominaria o mundo e advertindo que a globalização das economias e culturas nacionais teria consequências discordantes e penosas”. O capitalismo neoliberal pós-1989, classificado por Fukuyama como “o ponto final da evolução ideológica da humanidade” principiava a dar seus primeiros sinais de esmorecimento, numa derrapada classificada pelo economista inglês Meghad Desai como a volta de Marx, onde até o papa Bento XVI, seguramente um conservador dotado de cultura invejável, elogiou “a grande capacidade analítica de Marx”. Que praticamente ratifica uma verdade hoje universal: “Karl Marx foi o primeiro a mapear a natureza intransigente, implacável e compulsivamente destrutiva do capitalismo”, ao declarar no seu Manifesto que “o capitalismo afogou os êxtases mais celestiais do fervor religioso, do entusiasmo cavalheiresco, do sentimentalismo prqueno-burguês nas águas gélidas do cálculo egoísta”.
O historiador britânico Tristan Huntz, que lançou recentemente uma biografia sobre Friedrich Engels – Comunista de Casaca, editora Record, 2010 – ressalta que Jacques Attali, um banqueiro dotado de acurado senso político, “considera Marx o primeiro grande teórico da globalização”. Em seu livro, Attali se identifica sem hipocrisia: “Digo-o sem ênfase nem nostalgia. Nunca fui nem sou marxista em qualquer sentido da palavra. … Meu primeiro contato sério com ele foi através da leitura tardia de seus livros e de uma correspondência com o autor de Pour Marx, Louis Althusser. Desde então, nunca mais me separei do personagem e da obra. Marx fascinou-me pela precisão de seu pensamento, a força da sua dialética, o poder de seu raciocínio, a clareza de suas análises, a ferocidade de suas críticas, o humor de suas tiradas, a clareza dos seus conceitos”.
Os governantes entrantes e os “reentrantes”, inclusive os intitulados “de esquerda”, necessitam absorver o ensinamento gramsciano: “Todo grande homem político não pode deixar de ser também um grande administrador, todo grande estrategista, um grande tático, todo grande doutrinador, um grande organizador”. E não desmorecer o que disse, um dia, sem pestanejar, o admirável Abraham Lincoln, décimo-sexto presidente dos EEUU e intransigente defensor da preservação da união dos estados norteamericanos: “Este país, com suas instituições, pertence ao povo, que nele mora. Quando ele estiver cansado do governo existente, deve poder sempre exercer o seu direito constitucional de censurá-lo ou o seu direito revolucionário de derrubá-lo”.
Que os líderes empresariais e políticos brasileiros percebam, numa nova gestão presidencial, as formidáveis mudanças que estão ocorrendo no mundo inteiro. Mudanças que comprovam a crescente consciência planetária na busca de uma sociedade mais fraterna e menos hedonista, mais solidária e menos fingida, mais igualitária e menos autofágica. E muito menos patife.
PS. Falando em patifaria, dois fatos são de tirar o chapéu: a volta de Baby Doc ao Haiti sem ser apedrejado na escada do avião, um deles. O outro é a revelação de uma carta do Vaticano – se o Nazareno voltasse, ele certamente o apontaria como um dos sepulcros caiados religiosos do planeta – encarecendo não relatar à polícia abusos praticados contra crianças por religiosos. Uma carta endereçada em 1997, no papado de João Paulo II, que breve se tornará “bonzinho”.
(Publicada em 20.01.2011, no Portal da Globo Nordeste, blog BATE & REBATE)
Fernando Antônio Gonçalves