RESISTÊNCIA DESPERTADORA


Embora tenha sido editado pela Zahar no final da década passada, os discursos do escritor Thomas Mann contra Hitler, de 1940 a 1945, deveriam ser relidos por aqueles que estão antenados com a atual crise mundial, brasileira inclusive, onde ideologias se fragmentaram e uma sociedade civil se encontra amplamente estilhaçada por interesses individualistas, nunca solidários, recheados de preconceitos e tipicamente voltados para um mercado capitalista sectariamente ambicioso.

No livro Ouvintes Alemães! – Discursos contra Hitler (1940-1945), Zahar, 2009, estão reunidos discursos que o escritor alemão Thomas Mann, do exílio, a convite da rádio BBC, enviava aos seus conterrâneos, comentando a realidade da guerra e incentivando seus irmãos germânicos a derrotarem Hitler, o nazismo e seus assassinos.

O livro reúne 58 pronunciamentos de Mann, onde ele, sincero, enfático, emocionado, irado, esperançoso, revoltado, sarcástico, realista e profundamente engajado, proclamava a cidadania alemã, batendo-se contra “o sujeito miserável que ainda se diz Führer da Alemanha”.

Com as comunicações modernas de hoje, tudo seria mais fácil. Mas vejam os leitores deste site fubânico como a operação se processava: todo o discurso, de cinco a oito minutos, era gravado no Recording Department da NBC, em Los Angeles, a gravação sendo enviada a Nova York por via aérea e transferida por telefone para uma outra gravação em Londres, executada diante do microfone, ensejando a escuta clandestina de milhões de alemães, suíços, suecos, holandeses e tchecos. Todos ansiosos por uma voz vibrante, que incutisse esperança na luta pelo término de um regime nefasto para o mundo inteiro. Mesmo sob a ameaça de um Führer que denunciou, numa cervejaria de Munique, que havia emissões de Thomas Mann que tentavam incitar o povo alemão à revolução contra ele e seu famigerado sistema.

Aos leitores fubânicos, algumas reflexões do escritor alemão, autor de A Montanha Mágica, Nova Fronteira, 2006, uma leitura que merece entusiásticas releituras. Ei-las: 1940 – Esta luta será demorada, ninguém tem ilusões quanto a isso. Porém quanto mais ela durar, mais certo será seu desfecho; 1941 – Seus tiranos lhes inculcaram a ideia de que a liberdade é uma quinquilharia obsoleta; 1942 – Conheço o suficiente das leis morais do mundo e sinto por elas respeito o bastante para dizer a vocês: uma depuração, uma purificação e uma libertação devem e vão acontecer na Alemanha, tão radicais e tão determinadas que estejam à altura de atos criminosos nunca antes vistos no mundo; 1943 – Creio que o estrondo da porta batida será superado por um imenso concerto de vaias no auditório do mundo, pois nunca se encenou nada tão miserável quanto a peça dessa trupe sanguinária de atores de feira; 1944 – Nenhum canalha quer ir para o inferno sozinho; ele sempre procurará levar o maior número possível de pessoas com ele. Que outros sejam culpados como ele, essa a sua alegria; 1945 – Apesar de tudo, o retorno da Alemanha à humanidade é um momento grandioso. Ele é duro e triste porque a Alemanha não pôde conduzi-lo com suas próprias forças. O nome da Alemanha sofreu um dano terrível, difícil de reparar, e o poder se foi. Mas o poder não é tudo, não é nem mesmo a coisa mais importante, e a dignidade alemã nunca foi uma mera questão de poder. Pode voltar a ser o poder de obter respeito e admiração através da colaboração humana, do espírito livre.

Uma pequena amostra de uma estratégia de resistência de um intelectual alemão famoso que combateu com sua escrita para a erradicação do nazismo numa Alemanha que tinha caído na esparrela de um líder inteligentemente delinquente com seu grupo de seguidores assassinos.

Para os mais jovens, que ainda não aquilataram a tragédia de 12 anos que se espraiou pela Alemanha, 1933-1945, recomendo dois livros incrivelmente esclarecedores, ambos de um mesmo autor, Ian Kershaw, historiador inglês, professor de História Contemporânea da Universidade de Sheffield, da qual se aposentou em 2008, reconhecido como um dos maiores especialistas da história da Alemanha nazista.

O primeiro livro é Hitler, SP, Companhia das Letras, 2010, a mais completa biografia do assassino nazista, superando todos os relatos já publicados. Numa linguagem incisiva, lúcida, penetrante e incrivelmente reveladora, o texto de Kershaw, agora condensado em um só volume, tornou-se, segundo o Los Angeles Times, “um guia indispensável e definitivo sobre Hitler, o nazismo a nação que, por algum tempo, refletiu vergonhosamente seu gênio maligno”. Uma abordagem que explica com ampla serenidade analítica “as expectativas e motivações da sociedade alemã” para o III Reich, onde Adolf Hitler foi o epicentro do ataque nazista às raízes da civilização germânica.

O segundo livro, O fim do Terceiro Reich: a destruição da Alemanha de Hitler, 1944-1945, SP, Companhia das Letras, 2015, Ian Kershaw decifra, com base em amplos levantamentos históricos ainda inéditos, os meses finais da Alemanha nazista, do malsucedido atentado a Hitler, julho de 1944 (Operação Walkyria) à capitulação final, o suicídio do tirano, cumprindo sua obstinação, a de que jamais se entregaria vivo às forças aliadas. Segundo Hitler, a destruição total, mas heroica, era infinitamente preferível às capitulações consideradas por ele como atos de covardia.

A leitura dos três textos em muito ampliará a consciência cidadã dos que almejam uma democracia de características mínimas para todos os quadrantes de um planeta, erradicados as ideologias sectárias e os fundamentalismos religiosos de todos os naipes, inclusive romanos.

(Publicado em 19.06.2017 no site do Jornal da Besta Fubana (www.luizberto.com) e em nosso site www.fernandogoncalves.pro.br.)