REPENSAR O SÉCULO 21
Integralmente solidário com as vítimas do terrorismo internacional, torço como brasileiro para que o restante deste século torne-se diferente, mais fraternal, socialmente mais comprometido com milhões de párias que urgem adquirir consistente cidadania. E uma humanização planetária somente se tornará efetiva se determinadas lições do passado emergirem com propriedades restauradoras capazes de alavancar Direitos e Deveres para todo Ser Humano, balizando um futuro menos degradante, mais equitativo para gregos e troianos.
Creio que a própria nação americana se olvidou, ou ainda não levou na devida conta, do que escreveu, há século e meio, Alexis de Tocqueville, num livro intitulado A Democracia na América: “Entre as leis que regem a sociedade, uma há que me parece mais precisa e definida que todas as outras. Se os homens pretenderem continuar civilizados, ou tornar-se tais, a arte de associar-se deve crescer e aperfeiçoar-se na mesma razão da igualdade de condições. A ciência da associação é a ciência-mãe. O progresso de tudo o mais depende do progresso que ela fizer”.
Mais recentemente, uma escultura em Minneapolis, EEUU, intitulada Sem Palavras , de autoria de Judith Shea, retratava uma ereta capa de chuva de bronze, sem ninguém dentro. A artista queria alertar o mundo inteiro: “não fomos destinados a ser uma capa de chuva vazia, ou meros quantitativos de uma folha de pessoal, tampouco simples personagem de um cenário econômico ou social”.
Parecendo ratificar Tocqueville e Judith Shea, o ex-vice-presidente dos Estados Unidos Al Gore, historiador consagrado pela sua cultura sólida, asseverou outro dia: “Construímos um mundo falso de flores plásticas”. E as principais seqüelas tornaram-se dramaticamente visíveis: um descaso total pela vida humana, a ampliação da degradação dos valores magnos e uma violência generalizada sem precedentes.
As sociedades industrializadas, com a tragédia do World Trade Center, em Nova York, deverão atentar mais acuradamente para a advertência de Charles Handy, um irlandês aplaudido mundialmente: “O mercado é um mecanismo para separar o eficiente do ineficiente, mas não um substituto da responsabilidade”. E tal opinião torna-se mais relevante, quando frei Betto, mineiro e dominicano, com dados 2000, revela que 2/3 da população brasileira, aproximadamente 111 milhões, ganham até 2 salários-mínimos. E mais: só em 1999 remetemos para o exterior, a título de juros e amortização da nossa dívida externa, US$ 66 bilhões; em 2000, US$ 65 bilhões; para 2002, a bolada ascende a mais de US$ 70 bilhões, segundo o Orçamento Geral da União.
Atentemos: se uns poucos vivem em casulos de riqueza e outros habitam guetos de miséria absoluta, não é salutar prognosticar o futuro desta situação como pacífica. A tarefa de reconstrução é coletiva, fruto de alianças que conduzam a patamares sociais mais elevados, com novos modos de pensar nosso futuro.
A liberdade não deve significar licenciosidade, violência ou guerra. A teoria da perfeição não existe. Quanto mais turbulenta a época, mais consciente deverá ser a determinação de mudar. Nem a história bíblica de Davi e Golias deve ser menospezada. Tampouco o velho barbudo, quando escreveu, n’O Dezoito Brumário de Luís Bonaparte, que “a história sempre acontece como tragédia e se repete como farsa”.