REPENSANDO AMANHÃS


Numa barraca de praia, todo serelepe e cantante, embalado por três “louras” geladíssimas, travestidas de guaranás para não arranhar a pureza metida a virgínea dos moralistas que se travestem de santarrões, encontrei o João Silvino da Conceição. Como de sempre, sobraçando uma pasta pra lá de sambada, repleta de apontamentos.

Diante da minha curiosidade, respeitada uma amizade mais que cinquentona, o João pede licença à Dona Conceição, sua companheira inseparável de noitadas mui calientes, e me leva para uma sombra mais acolhedora, expondo lá um bocado de “escrivinhações”, a grande maioria delas elaboradas por gente que ele muito admira, algumas vivas, outras já eternizadas.

Indagado sobre o que ele apontaria de melhor para ilustrar o mote Para Repensar Amanhãs, João Silvino encareceu uma meia hora generosa, daquelas que terminam em quase hora e meia, para eleger suas prioridades. Acordo feito. Afagando umas “louras” para passar o tempo, fiquei trocando figurinhas com Dona Conceição sobre as indagações do momento: quando seria defenestrado o terrorista Batisti para a Itália?; quando terminariam as estroinices do doidejante Hugo Chavez, um também tragicômico, reles imitador de Fidel sem o nível deste?; quando o Brasil encararia pra valer um PLANCUR – Plano Nacional de Contínua Urbanização, encerrando um ciclo de agressões calamitosas à natureza, tema até o momento tratado com mil e um blá-blá-blás, simpósios e outras fuleiragens burocráticas, que não favorecem e apenas estupram a seriedade das medidas indispensáveis; e quando prestaremos atenção aos nossos haitis regionais?.

Quase duas horas depois, o João Silvino apareceu com um monte de pedaços de papel, selecionados a capricho, afirmando que eram as suas eleitas para o mote sugerido. Transcrevo, abaixo, uma amostra das preferidas do João, delegando aos argutos leitores JC a capacidade de ratificá-las, olvidando-se propositadamente os seus autores, para não engrossar favorecimentos bajulatórios:

– “Não podemos fugir à evidência de que a sobrevivência humana depende do rumo de nossa civilização, primeira a dotar-se dos meios de auto-destruição. Que possamos encarar esse desafio sem nos cegarmos, é indicação de que ainda não fomos privados dos meios de sobrevivência. Mas não podemos desconhecer que é imensa a responsabilidade dos homens chamados a tomar certas decisões políticas no futuro. E somente a cidadania consciente da universalidade dos valores que unem os homens livres pode garantir a justeza das decisões políticas ”

– “Quem tem um mapa mais rico, se orienta melhor no mundo. Quem tem mapa limitado fica mais frequentemente enrolado”.

– “Para o verme num rabanete , o mundo inteiro é um rabanete”.

– “O Congresso Nacional precisa separar, com urgência, o joio do trigo, com rigor e justiça, como medida essencial para preservar a democracia brasileira”.

– “Todo grande homem político não pode deixar de ser também um grande administrador, todo grande estrategista, um grande tático, todo grande doutrinador, um grande organizador”

– “Em Pernambuco, inúmeros já estão conscientes de que o inimigo maior somos nós mesmos, com a nossa majestosa capacidade de azedar tudo, desde que a vitória e o sucesso sejam de terceiros, não exclusivamente nossos. Uma tradição perversa, mórbida, que nos foi legada por ancestrais certamente muito mal acostumados. Que também desconheciam a existência das forças motivadoras que impulsionam os empreendimentos bem sucedidos: o trabalho participativo, o sistema de reconhecimento, o comportamento racional, a força da emoção e a eficácia de um lastro cultural assenhorado coletivamente pela inserção de todos na contaminação por um querer ser gigante”.

Feliz, Dona Conceição sapecou um beijo na careca do João. E lhe prometeu um final de dia esplendoroso, sem mais “loura” alguma, apenas com uma baita morenidade que ia fazê-lo gemer sem sentir dor.

(Jornal do Commercio, Recife, PE, 24.02.2010)
Fernando Antônio Gonçalves