RELIGIÃO E NOVOS TEMPOS


Num recente Debate das Onze do programa Geraldo Freire, admiração de longa data, reencontrei o Rev. Miguel Cox, da Igreja Cristã Episcopal do Brasil, e o Pe. Amaurílio, da Paróquia do Vasco da Gama. E os dados recentemente divulgados pelo IBGE sobre a religiosidade do povo brasileiro, extraídos do Censo 2010, foram assuntos principais: Católicos 64,6%; Evangélicos 22,2%; Espíritas 2,0%; Sem religião – 8,0%. E também quais seriam as causas primeiras que estariam provocando o declínio do catolicismo e o crescimento dos evangélicos no país, a partir dos anos oitenta do século passado.

Três reflexões foram apresentadas. A primeira, do professor José Lisboa Moreira de Oliveira, PhD em Teologia, Professor da UnB, em Brasília: “Não temos como negar. É visível a mudança de rota na Igreja Católica Romana a partir do final da década de 1970. Aos poucos as propostas e intuições do Concílio Vaticano II são postas de lado ou reinterpretadas a partir de uma eclesiologia jurídica, segundo a qual o direito canônico está acima do Evangelho. Enquanto se perde tempo com a discussão de temas banais, questões sérias não são enfrentadas. Qualquer pessoa honesta, que conheça bem a situação da Igreja no momento atual, não poderá negar que ela está sendo dominada por grupos e movimentos ultraconservadores. Tais grupos e movimentos estão trazendo de volta a Igreja da Contra-Reforma, fechando cada vez mais os espaços de participação do povo de Deus, impondo uma moral rigorista e “tirando do baú” costumes e tradições arcaicas, “mofadas” e ridículas. Os pobres são cada vez mais esquecidos e é notória a adesão desse modelo de Igreja a sistemas políticos de direita. Com isso a Igreja Católica Romana vai se distanciando da realidade do povo e se tornando cada vez mais um sinal opaco e sem sentido do Reino de Deus. Por essa razão é cada vez mais visível o afastamento das comunidades eclesiais de pessoas com um pouco de bom senso e com consciência crítica. A Igreja Católica vai se transformando numa comunidade “infantil, feminil e senil”. Uma Igreja só de crianças e de mulheres idosas. A participação de jovens nas comunidades católicas não ultrapassa a percentagem de 1% do total de jovens da nossa sociedade.”

A segunda integra o pensar do famoso rabino Abraham Joshua Heschel: “Costuma-se culpar a ciência secular e a filosofia anti-religiosa pelo eclipse da religião na sociedade moderna. Seria mais honesto culpar a religião por suas próprias derrotas. Ela decaiu não porque foi contestada, mas porque se tornou irrelevante, enfadonha, opressiva e insípida, sem sentido”. E a terceira, de autoria do bispo anglicano Desmond Tutu, se encontra no seu último livro Deus Não è Cristão e Outras Provocações, editado semanas atrás pela editora Thomas Nelson Brasil, prefaciado pelo pastor e teólogo Ed René Kivitz, da Igreja Batista de Água Branca, São Paulo: “Em tempos como o nosso, anseia-se por respostas diretas e sem ambiguidades. Parece que estamos ficando pobres em diversidade no campo das etnias, dos credos religiosos, nos pontos de vista políticos e ideológicos. Há um anseio pela homogeneidade e uma alergia ao outro, ao diferente”. … “É preciso reconhecer os próximos pelo que são em toda sua inteireza, permitindo que as crenças do próximo se mantenham firmes”…. “Deus não precisa da nossa proteção. Muitos precisam ter a noção de Deus aprofundada e expandida”.

Algumas informações foram apreciadas no programa do Freire. Eis as mais significativas: 1. Cinco anos depois do dia 19 de abril de 2005, que marcou o advento de Bento XVI, um em cada dois jovens italianos rejeita a qualificação de católico. Sinal de crescente desafeição: 2. De 2000 a 2010, as vocações na Europa caíram em mais de 10%; 3. O município de União da Serra, no Rio Grande do Sul, é o mais católico do Brasil, com 99,18% dos habitantes seguindo a Romana; 4. O município de Arroio do Padre, também no RS, é evangélico para 85,84% dos seus moradores; 5. O município que concentra o maior número de espíritas é o de Palmelo, em Goiás: 45,5%; 6. O islamismo responde apenas por 1,2% do grupo de outras religiosidades; 7. Do percentual que se declararam sem religião, 4% se posicionaram ateus.

No final do programa, onde imperou uma taluda fraternidade, duas unanimidades: a primeira, a de que somos feitos para a complementaridade, o combate maior devendo ser travado contra os individualismos hedonísticos que está grassando por todo Ocidente. E a segunda, não menor que a primeira, reflete o pensar do consagrado jornalista Alberto Dines: “As religiões, todas as religiões, estão redondamente enganadas ao imaginar que a humanidade ainda não passou pelo Renascimento e o Iluminismo e que o processo civilizatório deteve-se no tempo”.

Enviado um abraço para o bispo Léo Menezes, da Igreja Cristã Episcopal do Brasil, irmão da Leni Menezes, amiga de muitas convergências, saí do programa do Geraldo Freire plenamente aplaudindo o pensar do teólogo Paul Tillich, cristão existencialista: “Decisão é um risco alicerçado na coragem de ser livre”.

(Publicada em 16/07/2012, no Portal da Revista ALGOMAIS, Recife – PE)
Fernando Antônio Gonçalves