RELEITURA INADIÁVEL


Há um autor que necessita ser relido com urgência, diante do atual descalabro administrativo-financeiro brasileiro, onde alguns tecnocratas, mancomunados com bandidos travestidos de políticos, ainda não perceberam o tamanho do buraco. Trata-se do geógrafo baiano Milton Santos, eternizado em 2001, que deixou um pequeno livro-gigante chamado Por Outra Globalização, cuja 20ª edição foi publicada pela Record, em 2011. Também graduado em Direito, Milton destacou-se por seus trabalhos em diversas áreas da geografia, em especial nos estudos de urbanização do Terceiro Mundo, tendo sido um dos grandes nomes da renovação da geografia no Brasil ocorrida na década de 1970.

Alfabetizado pelos pais e avós maternos, com eles aprendeu álgebra e a falar francês. Aos 13 anos dava aulas de Matemática no ginásio onde estudava, lecionando Geografia aos 15, sempre marcando presença na militância política de esquerda, posteriormente fazendo concurso para o Colégio Municipal de Ilhéus, Bahia. Concluiu seu doutorado na Universidade de Estrasburgo, França, 1958, quando depois o então presidente Jânio Quadros o nomeou para sub-chefia do Gabinete Civil, tendo viajado a Cuba com a comitiva presidencial, o que lhe valeu registro nos arquivos da repressão, após o golpe militar de 1964. Exilado, Milton Santos ficou fora do país por 13 anos, iniciando seu exílio em Toulouse, finalmente chegando a Paris em 1968, onde lecionou na Sorbonne, tendo sido diretor de pesquisas de planejamento urbano no Institut d’Étude du Développement Économique et Social (IEDES), lá permanecendo até 1971, quando fixou residência no Canadá, para trabalhar na Universidade de Toronto. Também foi pesquisador do MIT – Massachusetts Institute of Technology, onde trabalhou com Noam Chomsky, tendo elaborado sua notável obra O Espaço Dividido.

Após seu regresso ao Brasil, lecionou na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) até 1983. Em 1984 foi contratado como professor titular pelo Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo (USP), onde permaneceu, mesmo após sua aposentadoria. Milton Santos morreu em São Paulo no dia 24 de junho de 2001, aos 75 anos.

Embora pouco conhecido fora do meio acadêmico, Santos alcançou reconhecimento fora do país, tendo recebido, em 1994, o Prêmio Vautrin Lud (conferido por universidades de 50 países). Sua obra O espaço dividido, de 1979, é hoje considerada um clássico mundial, onde desenvolve uma teoria sobre o desenvolvimento urbano nos países subdesenvolvidos .

Suas ideias de globalização, esboçadas antes que este conceito conquistasse o mundo, advertia para a possibilidade de gerar o fim da cultura, da produção original do conhecimento – conceitos depois desenvolvidos por outros. O seu livro Por uma Outra Globalização, escrito dois anos antes de morrer, está sendo referência hoje em cursos de graduação e pós-graduação das universidades brasileiras. O livro traz uma abordagem crítica sobre o processo perverso da globalização atual na lógica do capital, apresentado como um pensamento único. Na visão de Milton Santos, esse processo, da forma como está configurado, transforma o consumo em ideologia de vida, fazendo de cidadãos meros consumidores, massifica e padroniza a cultura e concentra a riqueza nas mãos de poucos, gerando violências as mais variadas.

Para Milton Santos, as velhas noções de centro e periferia já não se aplicam mais, pois o centro poderá estar situado a milhares de quilômetros de distância e a periferia poderá abranger o planeta inteiro. Daí a correlação entre espaço e globalização, que sempre foi perseguida pelos detentores do poder político e econômico, mas só se tornou possível com o progresso tecnológico. Para contrapor-se à realidade de um mundo movido por forças poderosas e cegas, impõe-se, para ele, a força do lugar, que, por sua dimensão humana, anularia os efeitos perversos da globalização.

E é essa “força do lugar” que deve ser bem assimilada pelos que comandam a governança pernambucana, que necessitam estudar mais multidisciplinarmente nosso espaço, seus fundamentos materiais e políticos, sua tesão em esmiuçar mais adequadamente as razões dos problemas estruturais essenciais, bem como as razões devem ser impulsionadas para se continuar lutando por melhores tempos.

As explicações mecanicistas atualmente utilizadas pelos executivos para os meios de comunicação, usufruindo da ignorância comunitária, estão se tornando insuficientes. E é o próprio Milton Santos, em seu pequeno livro-gigante quem proclama, sem os beletrismos que tanto pavoneiam os projetos acadêmicos travestidos de solucionáticos: “Se desejamos escapar à crença de que esse mundo assim apresentado é verdadeiro, e não queremos considerar admitir a permanência de sua percepção enganosa, devemos considerar a existência de pelos menos três mundos num só. O primeiro seria o mundo tal como nos fazem vê-lo: a globalização como fábula; o segundo seria o mundo tal como ele é: a globalização como perversidade; o terceiro, o mundo como ele pode ser: uma outra globalização.”

Pernambuco necessita voltar a perceber que uma nova consciência de ser mundo agiganta-se nos quatro cantos do planeta. As redes sociais se multiplicam, superam-se os endeusamentos dos dinheiros e dos objetos técnicos, atentando-se para a emersão de novos objetos, novas ações e relações e de novas ideias.

Competirá aos dirigentes estaduais e municipais, antes de aplaudir tatutagens aplicadas nas costas de matutos oportunistas, diferenciar bem entre “gestão ativa” e “gestão passiva”. A primeira, envolvendo criatividade, compromisso e competência; a segunda, ficando à mercê das ajudas federais de um país em bancarrota, mais preocupado em redimir o sul-sudeste maravilha, pouco se lixando, salvo nas vésperas das manifestações eleitorais. Os do Nordeste necessitando até de aperto de mão com risinho disfarçado de ex-presidentes.

A reflexão do Milton Campos, em seu livro, bem que poderia servir de mote para debates restauradores: “As classes médias brasileiras, já não mais aduladas, e feridas de morte nos seus interesses materiais e espirituais, constituem, em sua condição atual, um dado novo da vida social e política. Mas seu papel não estará completo enquanto não se identificar com os clamores dos pobres, contribuindo, juntos, para o rearranjo e regeneração dos partidos, inclusive os partidos do progresso”.

Chegou a hora de se pensar grande, criticando os que que se imaginaram fazer tudo e os que ainda não se posicionaram, porque entronizados de pouco. Viva os Frei Caneca dos novos tempos!!
PS Um outro livro do Milton Santos, O Espaço Dividido, foi reeditado em 2008, pela EDUSP, estando à disposição na Livraria Cultura. Já por mim adquirido, o comentarei brevemente neste JBF muito arretado de ótimo.
(Publicado em 09.02.2015, no site do Jornal da Besta Fubana – www.luizberto.com)
Fernando Antônio Gonçalves