RELATOS CIDADANIZADORES


Muito gostaria de ver alguns assuntos históricos discutidos em salas de aula dos ensinos médios e superiores, favorecendo a compreensão crítica de alguns eventos que muito enodoaram a história da humanidade. Um deles se encontra relacionado ao Holocausto, o maior assassinato já perpetrado por um grupo sectário, nazistas, que ascendeu ao poder pelo voto do culto povo alemão, anestesiado por promessas mirabolantes, uma delas a da superioridade da raça ariana.

Há poucos dias, em março recém findo, a Companhia de Letras publicou um novo olhar sobre a maior tragédia do século XX, uma terrível desumanidade que faz emergir uma necessidade urgentemente imperiosa de ser mais apreendida pelas gerações mais jovens, favorecendo um repensar do futuro planetário mais humano e nulamente desagregador.

O livro Terra Negra: o Holocausto como história e advertência, Timothy Snyder, São Paulo, Companhia das Letras, 2016, 484 p., um relato surpreendente, heterodoxo e provocante, de um jovem historiador da Universidade de Yale que não teve receio algum em estruturar um paralelo incrivelmente ousado entre passado e presente. Segundo Snyder, num relato que explicita fatores ainda não esclarecidos sobre a maior atrocidade do século XX, ressalta no Prólogo que “uma história do Holocausto precisa ser contemporânea, permitindo-nos sentir o que resta da época de Hitler em nossa mente e em nossa vida. A visão de mundo de Hitler por si só não levou ao Holocausto, mas sua coerência oculta gerou novas espécies de políticas destrutivas e um novo conhecimento da capacidade humana para promover assassinatos em massa. Essa combinação específica de ideologia e contexto do ano de 1941 não aparecerá de novo, mas algo semelhante pode ocorrer. Parte do esforço para entender o passado é, portanto, o esforço necessário para compreender a nós mesmos. O Holocausto não é apenas história, é advertência.”

O livro do Snyder é de leitura irresistível, de varar madrugadas, ampliando a vontade de vê-lo amplamente discutido em todas as unidades escolares do mundo inteiro, as mais críticas e as menos conscientes. A conclusão do livro – Nosso mundo – deveria ser reproduzida em folhetim de baixo custo, tamanha a sua significação para as mentes juvenis distanciadas dos horrores praticados no Terceiro Reich. Alguns pontos merecem ser aqui reproduzidos, alertas primeiros para tempos nebulosos que velozmente se avizinham: “O planeta está mudando de uma forma que pode tornar mais plausível as ideias de Hitler sobre a vida, o espaço e o tempo. O aumento de 4°C nas temperaturas globais médias esperadas para este século transformará a vida humana em grande parte do globo. As tendências atuais podem mudar, devido ao efeito feedback. Se a camada de gelo for destruída, o calor do sol será absorvido pela água do mar em vez de ser refletido para o espaço. Se a tundra siberiana (região fitogeográfica ártica e subártica, caracterizada pela vegetação baixa, herbácea e subarbustiva) derreter, a terra vai exalar gás metano, que reterá calor na atmosfera. Se a bacia Amazônica for despojada da floresta, vai liberar um enorme volume de dióxido de carbono. … Como Hitler mostrou durante a Grande Depressão, os seres humanos são capazes de interpretar uma crise iminente de maneira a justificar medidas drásticas no presente. … Um erro comum cometido pelos americanos é confundir a liberdade com a ausência de autoridade do Estado. A genealogia dessa confusão nos remete à Alemanha e à Áustria da década de 1930.”

O último parágrafo do livro é por demais merecedora de bons minutos de reflexão: “Entender o Holocausto é nossa oportunidade, talvez a última, de preservar a humanidade. Isso não basta para suas vítimas. Nenhuma acumulação de bens, por maior que seja, desfaz um mal. Nenhum salvamento futuro, por mais bem-sucedido que seja, desfaz um crime no passado. Talvez seja verdade que salvar a própria vida é salvar o mundo. Mas a recíproca não é verdadeira: salvar o mundo não restitui um única vida perdida.”

Excelente seria a iniciativa da ONU remeter um exemplar do livro do Snyder para as principais lideranças mundiais, inclusive o papa Francisco, que melhor poderia aquilatar o peso da sua instituição na disseminação do antissemitismo mundial, ainda hoje hipocritamente camuflado.

PS. Recomendo, com entusiasmo, a leitura de Educação do Homem Integral, do filósofo, teólogo e educador brasileiro Huberto Rohden (1893-1981), editado pela Martin Claret, onde ele faz distinção entre educação e instrução, a falência da educação baseada em prêmio e castigo, teologias antieducacionais, amor à natureza e a guerra permanente entre o ego e o eu. No pequeno gigante livro, Rohden denuncia a ausência de uma verdadeira educação para o ser humano, onde o seu livre-arbítrio é uma fortaleza inexpugnável cujas portas não abrem para fora, só para dentro.
(Divulgado em 11.07.2016, no www.fernandogoncalves.pro.br)
Fernando Antônio Gonçalves