REFLEXÕES PARA AMANHÃS


Com educação, jovem formado em Administração UFPE me formula pedido por e-mail: pôr algumas reflexões que ampliem uma profissionalidade cidadã, aquela que agrega conhecimentos, ética e compromisso social. Em uma semana, recolhi os itens abaixo, resolvendo enviar para ele e para todos os demais formandos de uma turma muito querida, a última antes da “expulsória”, que me deixou uma saudade gigante, dada sua composição participativa, alegre e intelectiva, turistas poucos dela fazendo parte, os alienados de sempre. Eis as escolhas feitas:

1. A maior tragédia do homem contemporâneo está na sua dominação pela força dos mitos, abdicando de uma soberana capacidade de discernir e concordar/discordar, indispensável no trato da coisa pública. Compreensivelmente, os novatos estão mitificando os seus dirigentes, para se arvorarem de primogênitos de Zeus. Olvidam-se que no palco da vida há coisas, mil coisas, que custam bem pouco mas acarretam efeitos extraordinários. Um telefonema, por exemplo. Um cartão de agradecimentos. Ou um atendimento personalizado, quando o assunto merecer importância. Procedimentos que diferenciariam o agora de um passado autoritário , tecnocrático e pernóstico, até bem pouco tempo vivido e sofrido pelos que nunca estiveram de cabeça baixa.

2. Nada ameaça mais uma democracia que a gestão daqueles que desconhecem a tese fundamental: em toda democracia, as respostas são difíceis diante de uma demanda facilmente induzida. Nada mais oportuna que uma análise despreconceituosa de todos, sem apegos a cargos e funções, deixando-se refletir diante da seriedade de propósitos dos atuais executivos. Estratégias e táticas bem definidas e discutidas, contínua postura dialogal e um ver-melhor-o-derredor bem poderiam constituir os balizamentos necessários para um fico-ou-saio dos que auxiliam diretamente os primeiros mandatários.

3. Nossa crise brasileira, que também se incorpora a uma crise mundial, é profunda, muito profunda. Prenúncio do fim de uma era, início de uma nova fase, onde inúmeros estão despreparados para um assumir consequente. A ausência de uma profissionalidade comprometida com a transformação do hoje está levando inúmeros técnicos, os mais incompletos, a uma não conformação com o fortalecimento do setor político, gerando uma dupla tendência: uma, a de ser hipercrítica em relação a tudo aquilo que desagrada; a outra, a de ser subcrítica diante daquilo que concorda. E os hiper e os sub não estão ampliando a cidadania do brasileiro. Estão deixando os políticos sem densidade criativa e com uma frágil consciência acerca da própria máquina partidária. Eivados de mandonismos inoportunos, detentores de poder decisório quase absoluto, que somente faz aumentar aqueles que consideram a repressão como caminho natural para o desenvolvimento nacional, única saída para garantir a segurança do grande capital.

4. A hora de reinventar-se chegou. Ultrapassar os obscurantismos técnicos, políticos e culturais é prova maior de querer uma profissionalidade cada vez mais solidificada. Caso contrário, outras situações poderão advir, com prejuízos para o todo democrático.

5. As diretrizes discutidas por um Congresso Nacional ainda devidamente pouco pressionado pelas mais cidadanizadas camadas da população brasileira, seguramente favorecerão os caminhos brasileiros na direção de um porvir bem mais próximo de uma configuração primeiro-mundista, sem as patologias sociais que hoje vitimam as áreas mais prósperas do planeta, consequência direta de um capitalismo que soube reproduzir capital, muito embora autofagicamente desatento para um resto que também buscava seu lugar ao sol. Particularmente, acredito que algumas iniciativas devam ser classificadas como de prioridade máxima. A primeira delas relacionada está diretamente com uma urgente revisão constitucional, eliminando-se as obsolescências paternalistas e as minudências inconvenientes, estas muito mais propícias para regulamentações meramente administrativas. A segunda, favorecendo o amadurecimento da cidadania coletiva, posiciona-se na direção de uma ampla reforma política, evitando-se prostituições eleitoreiras às vésperas das manifestações das urnas. E uma terceira, inter-complementar com as duas primeiras, diz respeito ao rejuvenescimento do processo educacional brasileiro, hoje bastante caquético, ainda que, aqui ou ali, trajando camisa de linho puro algodão, caneta Mont Blanc e telefone celular, embora tudo abaixo de um pescoço acima do qual se encontra uma tupiniquíssima comunidade neuronial. Acredito piamente no futuro brasileiro, sem falsos pieguismos. Como muitos milhões, entendendo que a vontade de continuar sem medo de ser feliz não deve ser apenas vista como um simples mote de show musical.

6. Atualmente, somente os débeis não reconhecem que o conhecimento está situado como fator propulsor das engrenagens processuais de todo crescimento econômico. A partir de estudos desenvolvidos na Universidade de Chicago, anunciados preliminarmente quando de uma aula magna do professor Robert Lucas, em 1985, na Universidade de Cambridge, postula-se, hoje, como hipótese comprovada, que a fonte primordial do crescimento econômico de qualquer país são “os efeitos que os grupos ou instituições têm sobre a produtividade dos indivíduos, através das interações conhecidas por todos como as vivenciadas em família, em universidades, em cidades, em regiões e em empregos.” Tais processos, segundo o próprio Lucas, geram externalidades, a principal delas advinda da área educacional e dos procedimentos políticos da formação de capital humano. O conhecimento possibilita rendimentos de escala aos que o detêm, tornando-se infinitamente mais dificultoso para os ainda não iniciados. O mundo em desenvolvimento está convencido que todo processo de crescimento econômico a longo prazo, dada a velocidade atual dos acontecimentos históricos, é energizado pela acumulação de conhecimentos comunitários, que maximizam as oportunidades surgidas, reduzindo a mínimos insignificantes os obstáculos emergentes. Hoje, o segmento especializado em desenvolvimento econômico-social reconhece como essenciais pré-requisitos dois vetores: educação básica e instituições indutoras. Quanto mais educação básica de qualidade, maiores os embornais cognitivos. E quanto maior o embornal e mais eficaz a indução provocada pelas instituições, maiores os níveis de cidadania, menores os índices de analfabetismo funcional, melhores os níveis políticos, mais acentuadas as tesões coletivas na busca de um lugar ao sol para todos.
(Publicada em 19.08.2013, no Jornal da Besta Fubana, Recife, Pernambuco)
Fernando Antônio Gonçalves