REDENÇÃO OU CAOS


Os especialistas em conjunturas planetárias futuras estão convencidos da alta veracidade de uma declaração firmada, em 1982, pelo alemão Hans Küng, tido hoje como o teólogo mais respeitado do mundo cristão: “não haverá paz mundial sem paz religiosa”. Segundo ele, “não há dúvida de que nos encontramos numa fase decisiva e delicada para a reformulação das relações internacionais, do relaxamento entre o Ocidente e o Islã e também para as relações entre as religiões abraâmicas: Judaísmo, Cristianismo e Islamismo”. E Küng aponta as opções que se descortinam: “ou uma rivalidade entre as religiões, choques culturais, guerra das nações ou diálogos de culturas e paz entre as religiões como pressupostos para a paz entre as nações”. Uma paz edificada através do estabelecimento de sólidas pontes e sem escamoteamento das diferenças

Hans Küng acredita ser uma solução dialogal pacífica a única alternativa que possibilitará a viabilização de uma harmônica ordem mundial, os conflitos sendo erradicados mediante conversas francas, sem intolerâncias dos envolvidos. A contemporaneidade internacional requer paradigmas pós-modernos, onde se busque ampliar as relações comunitárias, as cooperações técnicas e as integrações políticas, socioeconômicas e culturais, segundo as emanações contidas na Cartas das Nações Unidas.

Os livros escritos por Hans Küng buscam orientar todos aqueles que estão dispostos a dialogar com os que anseiam pela predominância de cenários onde pontifiquem olhares e ações direcionados para amanhãs menos imperialistas. Que proporcionem uma compreensão histórica não distorcida sobre as três religiões monoteístas: 14 séculos de Islamismo, mais de 30 séculos de Judaísmo e 20 séculos de Cristianismo. Estabelecendo, por consequência, diálogos e debates que impossibilitem endurecimentos fanáticos das comunicações ultra-tendenciosas.

O combate que se deve travar no dialogo entre as religiões monoteístas se relaciona com a minimização continuada das hipocrisias, aqueles que pressupõem a superioridade de uma delas sobre as demais. Reconhece Küng, no seu livro último, “que entre os muçulmanos, mais ainda do que entre os judeus ou os cristãos, se espalhou a ideia de que a religião permaneceu sempre igual”. E Küng demonstra como tal ideia se encontra amplamente distanciada da realidade histórica contemporânea, mesmo reconhecendo duas grandes dificuldades: a de ousar imiscuir-se, como teólogo cristão, nos assuntos intramuçulmanos; e como ampliar a perplexidade entre os cristãos, indo de encontro aos irmãos muçulmanos. Sempre se insurgindo contra os dogmáticos das três vertentes monoteístas, cada uma delas a proclamar Deus como propriedade exclusiva.

Nunca se envolvendo com os detalhes menos significativos, Hans Küng faz sobressair os condicionamentos, os motivos e os constrangimentos, esclarecendo o que emerge e o que tornou-se sobreposto neste ainda indefinido século 21.

Atualmente presidindo a Global Ethic Foundation, o teólogo Küng tenta erradicar os preconceitos existentes nos segmentos monoteístas, o conjunto deles se constituindo, hoje, na maior ameaça à paz mundial. E adverte sempre sobre as ações predatórias dos que se confinam nos limites de uma fé infantil, vivenciada num cristianismo barato, edulcorado por manifestações cosméticas, alguma até aeróbicas, que alienam e pouco esclarecem, sempre a encobrir os desafios do mundo atual.

(Publicado no Jornal do Commercio, Recife, Pernambuco, 08.03.2013)
Fernando Antônio Gonçalves