RECORDANDO PARA NÃO REPETIR


Quando o historiador Eric Hobsbawn declarou, certa feita, que as tradições podem ser “inventadas”, ele quis ressaltar as versões múltiplas que camuflam certos acontecimentos históricos, que, com o passar dos anos, transformam-se em “verdades absolutas”, ampliando os muitos silêncios acerca dos acontecidos, consolidando versões condizentes com interesses dos mais poderosos ou dos financeiramente notáveis. Por debaixo dos panos ficando incluídos genocídios e guerras, revoluções e golpes, invenções e fantasias religiosas, heroísmos de araque, chifres e atos cretinos e obscuros.

A Companhia Editora Nacional lançou, não muito recentemente, uma série intitulada Lazuli Rupturas, sob a coordenação da pesquisadora Maria Luiza Tucci Carneiro, que foi organizadora de O Anti-semitismo nas Américas, EDUSP, 2007, uma coletânea primorosa de artigos sobre “ser judeu na América”, que traz notável contribuição da professora Sílvia Cortez Silva, da Univesidade Federal de Pernambuco, sobre O Discurso Anti-semita na Obra de Gilberto Freyre.

Um dos volumes da série Lazuli Rupturas torna-se, neste ainda início de década, de importância ímpar, diante da atual crise financeira mundial, iniciada em 2008. Intitula-se 24 de Outubro de 1929 – A Quebra da Bolsa de Nova York e a Grande Depressão. De autoria de Wagner Pinheiro Pereira, historiador, PhD em História Social pela USP e autor de vários trabalhos laureados.

Na centena de páginas de um livro de bolso, Pinheiro analisa a mais grave crise já ocorrida na história do capitalismo, considerado um dos momentos mais significativos do século 20, que mereceu o seguinte testemunho do escritor francês André Maurois, quando da sua visita aos Estados Unidos da América, em 1933: “As ruínas são ainda visíveis, e são terrificantes. Logo no porto de Nova York o viajante fica surpreendido, chocado pela calma trágica de um lugar que o viajante conheceu como o mais ativo do mundo… Há neste momento nos Estados Unidos cerca de 14 milhões de desempregados, e, como muitos deles têm família, 20 a 30 milhões de homens e mulheres vivem de esmolas, privadas ou públicas… O espetáculo de uma grande nação de que se encontra reduzido à impotência produz emoções bem mais fortes do que uma estatística em preto e branco. Desde que chega a este país, o estrangeiro compreende de repente que em nenhum momento a Europa imaginou a dolorosa intensidade da depressão dos Estados Unidos”. A conclusão é do professor Pinheiro Pereira: “A grande depressão econômica da década de 1930 formou um batalhão de pessoas sem emprego, facilitou a formação e ascensão de movimentos nazifascistas e tornou-se uma das impulsionadoras do conflito entre as grandes potências, resultando na Segunda Guerra Mundial (1939-1945)”.

O livro narra o que aconteceu na segunda-feira, 21 de outubro de 1929, quando 6 milhões de ações foram ofertadas, as vendas acontecendo em baixa contínua. O jornal The New York Times, o único que há meses bradava sobre a banalização do mercado financeiro, também severamente criticando os jornalistas que, descaradamente, pediam dinheiro para publicar notícias ilusórias, no dia 22 de outubro anunciava: “Wall Street se prepara para ver a verdade das coisas: estamos juntos no começo do fim”. No mesmo dia, o Federal Reserve declarava que a situação era “fundamentalmente sã” e que “ajustados alguns desequilíbrios, a situação vai corrigir-se por si mesma”. Na quarta-feira, 23, milhares de pessoas receberam um telegrama dos corretores, solicitando “a gentileza de procurá-los com dinheiro vivo, já que seus títulos haviam perdido cerca de 10% da cotação”.

Na manhã de 24 de outubro de 1929, considerada quinta-feira negra, foram colocadas à venda 13 milhões de ações. E inúmeras delas já não encontraram compradores. Perto do meio-dia, uma multidão fazia fila no setor reservado ao público. Ao meio-dia veio a ordem de suspender todos os contratos. Na mesma hora, um grupo de grandões reunidos nos escritórios da J.P.Morgan & Co. decidiu aplicar 30 milhões de dólares para um “sustento organizado”, deixando o público com a sensação de tinham siso salvos pelos banqueiros.

Na segunda-feira, 28, foram lançadas em Wall Street quantidades não habituais de ações: mais de 9 milhões de títulos. No final do dia, os banqueiros divulgaram um comunicado que foi classificado como “congelante” por John Maynard Keynes, em seu livro 1929 – O Colapso da Bolsa, fazendo os preços ruírem dali por diante. No dia seguinte, a black Tuesday (“terça-feira negra”), completou o crash. Somente neste dia, esvaíram-se 14 bilhões de dólares. Segundo dados oficiais, o desespero provocou 11 suicídios naquela data.

Daí por diante, um círculo vicioso se estabeleceu: “não recebendo nada, os corretores não puderam, portanto, restituir o dinheiro aos banqueiros, que, por sua vez, precisavam desse dinheiro, porque seus clientes reclamavam seus depósitos de repente, ou porque tinham débitos a saldar, ou ainda, no clima de pânico, simmplesmente por desconfiança.”

Como a maioria da nossa gente imagina que o pior sempre está para acontecer nos fiofós dos outros, a leitura do livro do Wagner Pinheiro é mais que oportuna. Com cristalina didática expositiva, sem o economês que atormenta, ele mostra como tudo aconteceu após aquele outubro trágico em Wall Street.

Com as barbas de molho poderemos ultrapassar muitos obstáculos neste século. Desde que eliminemos os processos deseducativos, como os reforços oferecidos aos universitários da Faculdade Iguaçu, Campanema, PR, que está ensinando tabuada e classes gramaticais aos seus a-cadê-micos, uma expressão que pode identificar mentes primatas em processo evolucional.

(Publicada em 25/07/2011, no Portal da Revista ALGOMAIS, Recife – PE)
Fernando Antônio Gonçalves