RECADO AOS MEUS CENSORES


Recebi, outro dia, do Márcio Sales Saraiva, o texto do Ricardo Gondim, abaixo transcrito. E muito me emocionei com ele. Porque ele dá uma cacetada mestra naqueles que apenas sabem tecer intrigas, comportando-se com um pieguismo encanta-besta mediocrizante, achando que nunca poderá existir um Novíssimo Testamento. Nos seus mundinhos de bosta, imaginam-se donos da Verdade, como se tivessem d’ELE recebido o texto definitivo diretamente, mais rápido que o prontamente instantâneo, via zap.
O texto do Ricardo Gondim, que infelizmente não conheço pessoalmente, revigorou a minha convicção de continuar caminhante, sempre inconclusamente, sem verdades definitivas, helderista nunca helderéte, inquieto porque muito em dúvida inúmeras vezes. Ainda que suplicante eterno da misericórdia do Pai. E buscando cada vez mais reconhecer a reencarnação e o aprimoramento de todos.
Multipliquem-se os Ricardo Gondim! Anulem-se os ferrabrazes de mente estreita, especialistas em fuxicarias de botequim! O surgimento dos medíocres de carteirinha produz apenas um resultado positivo: a emersão dos Ricardo Gondim, dos que sabem pensar, proporcionando bom uso dos talentos concedidos pela Criação.
Eis o texto do Ricardo Gondim, na íntegra, intitulado Recado aos meus censores:
“Hoje, acordei querendo gritar: Meu Deus, quanta infantilidade. Meu Deus, quanta maldade. Há uma turminha bem mediocrizinha que caminha nos corredores escuros do mundo eclesiástico. Eles são ferozes. Já senti a força de seus ódios, mesmo quando estão bem envernizados de um pieguismo doce. Outrora eu me ressentia com suas investidas dissimuladas. Temia seus processos inquisitórios e exílios programáticos. Contudo, cheguei a um tempo em que a idade (ou foram os desencantos?) me levou a dar de ombros para essas censuras que nascem da inveja.
Tudo começou com uma pequena brecha de minha teologia. Para alguns, que já mapearam Deus com a precisão de um relojoeiro, qualquer pergunta, afirmação ou especulação fora de suas fôrmas, é um escândalo. Coitado de mim que ousei caminhar na direção do impensável e indaguei:  – O que me ensinaram engloba toda verdade? Por isso, fui rotulado de herege, liberal, frio e, ultimamente, leitor de ateus e judeus – oopss!, calma, pode se ter uma bandeira de Israel no púlpito, mas não é permitido ler um teólogo de lá?
Professores de seminário advertiram seus alunos que me evitassem, riscaram meu nome de eventos multi-denominacionais e alguns tentaram me vetar nas poucas revistas que escrevo. Quero facilitar a vida de meus censores: não caibo mais nas estreitas prateleiras que vocês se acostumaram a catalogar as pessoas. Não sou calvinista, nem arminiano, nem evangélico, nem católico, nem pentecostal, nem liberal. Na verdade, na verdade, sou apenas um peregrino que nada sabe, nada entende, nada quer, senão ficar mais parecido com Jesus de Nazaré, fazendo o bem e procurando caminhar humildemente com seu Deus. Não me importo com a categoria teológica, desejo apenas viver com o pouco do que entendo como meu dever humano. Se isso não bastar, paciência.
Ultimamente, procuram mostrar um legítimo cuidado com minha alma. Comentam-se pelos centros da fofoca gospel que estou deprimido, cansado e bem perto de desistir da minha vocação, e até da própria fé. Agradeço consternado as preocupações, mas dispenso todas, pois percebo nelas um veneno terrível. Querem invalidar meus contrapontos ao triunfalismo que permeia o discurso evangélico com a afirmação: “Coitado do Gondim, ele anda tão deprimido, e por isso, diz o que diz”. Não aceito me infantilizarem quando faço uma literatura mais “cinzenta”. Meus pessimismos literários, procuram expressar a alma humana com suas dores, algo incomum no ufanismo religioso dos evangélicos. Além disso, não vou aliviar meus textos quando afirmo que ando exausto com o besteirol que assola meu tempo. Continuo cansado, mas minha fadiga não passa de um esforço para demonstrar que qualquer pessoa, com um mínimo de lucidez intelectual e com uma pitada ética, ficaria com náusea do que sou obrigado a contemplar nos bastidores do movimento evangélico.
Ao contrário do que pensam, estou alucinado de paixão pela vida. Ando com pessoas maravilhosas e minha comunidade de fé me renova semanalmente. Em meus verdes anos, nunca imaginei que um dia choraria com um poema do Vinicius, com uma escultura de Michelangelo e com a ternura da freira que cuida do orfanato perto de minha casa.
Por isso, e por tudo mais que só meus amigos mais íntimos sabem, posso gritar: – Aleluia, este é o dia que o Senhor fez, vou regozijar-me nele.
Soli Deo Gloria.”

Um arretado de ótimo, esse meu irmão Ricardo Gondim!!!
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Fernando Antônio Gonçalves é pesquisador social