REACENDENDO O ENSINO SUPERIOR


Com mais de quatro décadas de vida universitária em Pernambuco, onde continuo a lecionar com o mesmo entusiasmo dos primeiros passos, consolidei uma arraigada convicção: o ensino superior brasileiro necessita de uma gigantesca reestruturação acadêmica, administrativa, institucional e estratégica. Principalmente na área pública, a beneficiar milhões de desfavorecidos, cidadanizando-os para os amanhãs desafiadores que já se instalaram globalizadamente em nosso meio, numa célere urbanização da área rural. A exigir um saber radicalmente diferenciado do de cinquenta anos atrás, um conhecimento, hoje, acentuadamente não-parcelado, não-fechado, não-redutor, inacabado e incompleto.

O ensino superior brasileiro, com as raríssimas exceções que sempre o dignificaram, parece ratificar notavelmente o pensar de Edward de Bono, um especialista em novas estratégias de pensamento, sempre no rasto de Edgar Morin, um dos maiores pensadores do século passado, cada vez mais contemporâneo: “Se existir um remédio conhecido e eficaz para uma doença, o paciente preferiria que o médico o usasse, em vez de tentar idear outro melhor. Mas podem existir remédios melhores. Se o tratamento tradicional sempre tiver a primazia, como poderia haver lugar para outros? Não é de surpreender que o modo de pensar do último milênio nos restrinja aos êxitos passados quando a questão é importante. Apresentar novas hipóteses é, no melhor dos casos, um processo arriscado, mas sem novos projetos não há progressos”. E o Buono conclui de forma assustadora: “Está tudo muito bem, mas o navio continua na direção errada”.

Por ocasião de um debate sobre Reforma Universitária, em Brasília, o sociólogo Boaventura de Sousa Santos, catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra apontou as três crises que estão vitimando a universidade brasileira. A primeira seria uma crise de hegemonia, resultado das contradições entre as funções tradicionais da universidade e as que foram sendo atribuídas ao longo do século XX. Em outras palavras: a produção de alta cultura, pensamento crítico e conhecimentos científicos e humanísticos de um lado; na outra vertente, a produção de padrões culturais médios e de conhecimentos instrumentais, de utilidade na formação de uma mão de obra qualificada, demandada pelos empreendimentos capitalistas.

A segunda crise poderia ser classificada como uma crise de legitimidade, provocada pelo fato de a universidade ter deixado de ser uma instituição consensual diante do conflito reinante entre a hierarquização dos saberes especiais e as exigências sociais e políticas da democratização da própria instituição. E a terceira crise, a institucional, sequela direta do entrechoque crescente entre autonomia da universidade e as pressões para submetê-la a critérios de eficácia e de produtividade, tanto de natureza empresarial quanto de responsabilidade social.

Sonhando, talvez quixotescamente, com uma Universidade Brasileira voltada para a consecução de uma excelencialidade século XXI, devidamente vacinada contra as posturas verborrágicas sempre apregoadas nas campanhas eleitorais, releio vez por outras uma reflexão do professor William Deming, o restaurador do destruído Japão depois de Hiroshima e Nagasaki: “A transformação não significa apagar incêndios, resolver problemas ou criar melhorias simplesmente cosméticas. A transformação deve ser feita por pessoas que detenham um profundo conhecimento”.

Sugeriria, pedindo vênia, aos dirigentes da estimada Universidade de Pernambuco, passadas as eleições próximas, estruturar, em conjunto com a Secretaria Estadual de Ciência e Tecnologia e sob o comando do governador Eduardo Campos, um Grupo de Trabalho específico para a reestruturação do ensino superior público de Pernambuco – UPE e Autarquias Municipais -, favorecendo uma melhor aplicação dos recursos investidos. Amplamente participativo, o citado GT identificaria os principais obstáculos e deficiências da estrutura educacional de nível superior estadual, erigindo alternativas viáveis para a consolidação de uma malha universitária academicamente ágil e intercomplementar, minimamente burocratizada, conteudisticamente atualizada, auditada por uma Assessoria de Ensino Superior, a ser posteriormente instituída. O todo sempre alerta diante de um princípio universal: se a democracia não pode tolerar a presença dos mais altos padrões de aprendizagem, então a própria democracia se torna questionável.

Seguramente, os resultados daquele Grupo de Trabalho deverão ser alcançados com ampla efetividade se a estratégia operacional contiver uma maciça dose de autenticidade político-decisória e uma mancheia de olhares futuros, tudo sendo estabelecido com as cartas na mesa, na manga só as da mulher amada. E com uma baita tesão do Grupo de rejeitar visões obsoletas, incentivando uma profissionaliade cidadã cada vez mais cativante para todos, pernambucanos e pernambucanizados.

PS. No Brasil, a problemática universitária passa pela “solucionática” dos ensinos fundamental e médio, face as licenciaturas estarem muito aquém de um mínimo desejável, com professores sem dignificação profissional e salarial.

(Portal da Revista ALGOMAIS, 05/04/2010, Recife – PE)
Fernando Antônio Gonçalves